Viagens

Naturebas de Portugal: Mateus Nicolau de Almeida, da Muxagat, no Douro.

Chegamos em Portugal para visitar o primeiro natureba, aqui no Douro: 
Muxagat Vinhos, do Mateus Nicolau de Almeida. Conheci ele de uma maneira meio estranha: na verdade, não ele, mas seus vinhos.
Na minha última visita à Paris, o Luiz Horta queria nos levar a um lugarzinho pois-tinha-um-vinho-português-muito-legal, natureba, doidão, que ele tinha adorado. Pois bem, chegamos lá e a porta estava fechada – a dona estava com dor de garganta, ou algo do gênero, e resolveu não abrir o boteco. Fiquei sem experimentar o vinho. Mas o Luiz me mostrou a foto, e eu fiquei com o nome na cabeça.
Duas semanas depois que voltei para o Braza, recebo um convite para uma degustação de……. sim!! 
Dos vinhos da Muxagat, os mesmos que o Luiz queria que nós provássemos lá em Parí! rss genial. Quem está trazendo os vinhos para o Brasil é a importadora Épice.  
Não foi surpresa que os vinhos eram fantásticos,  a abordagem do Mateus é absolutamente natureba e ele é uma pessoa fora do sério. Com o nome que ele tem, poderia ser um rapaz de nariz empinado – e com toda razão, pois a família foi e é importantíssima para a história do vinho, em Portugal e no mundo – mas pelo contrário, é uma daquelas pessoas que dá vontade de abraçar e levar pra casa pra tomar um chá. Ou um vinho, claro. Se for dele, melhor ainda! rs 
Nossa primeira visita não poderia deixar de ser nele. Saímos do aeroporto, zumbizando na ponte aérea ( pegamos voo com escala em Madrid ), e fomos direto para o Porto. Quer dizer, a idéia era essa. Mas a “coisa” estava em cima da cidade do Porto, e não conseguimos aterrizar. Uma névoa malévola estava sobre a cidade, e tivemos que…… descer em Vigo,na Espanha. Perdi minha reserva do aluguel do carro, perdi minha tarifa promocional do aluguel do carro ( como doeu, essa… ), e umas três horas de viagem até a cidade do Porto. Mas tudo bem, viagem sempre tem dessas. E lá fomos nós para Meda, no Douro superior – com os olhos meio fechando, mas firmes na empolgação. Valeu por passar, assim logo de cara, pela região do Minho, e ver pela primeira vez as videiras de “enforcado”, que são as videiras enooooormes, tradicionais da região, que subiam em árvores, ficando com até 7 metros de altura. Valeu também por pegar as rádios galegas que – para nossos ouvidos leigos – eram uma mistureba de português com espanhol muito divertida, que parecia nosso portunhol daqui…rs 

  E chegamos na Muxagat.

Quer dizer…. novamente, não foi tão fácil assim. Embora Meda tenha praticamente só uma rua, não sei se foi pelo sono ou não, passamos três vezes em frente da placa e não conseguimos encontrar. Então tivemos que pedir ajuda de um policial, que nos levou de carro até a porta da vinícola. Virou amigão. 
A Muxagat é o projeto pessoal do Mateus,  com princípios biodinâmicos e vinificação natural, com utilização de o minimo de sulfito. Ele faz parte da nova geração de vinhateiros que, no mundo, está dando cara nova ao mundo do vinho: faz vinificações experimentais em ovos de barro, de cimento, de granito. Ele fica em Meda, uma zona mais alta do Douro, que sempre foi famosa pelos seus vinhos tranquilos ( tinham mais frescor do que as perto do rio Douro, então se davam melhor para vinhos secos ). 
O próprio Barca Velha usava algumas parcelas de uvas daqui…… aliás, o criador do Barca era o avô do Mateus, Fernando Moreira Paes Nicolau de Almeida. Vai dizer, muita gente queria uma avô assim. O pai do João, enólogo premiadíssimo de Portugal, é responsável e presidente da casa Ramos Pinto, também outro ícone em vinhos portugueses. 
Esse é o Mateus, tirando uma prova de Rabigato ( uva branca ) do ovo de barro. É um barro especial com bastante sílica, do norte da Itália. Não é revestido de cera, então ele “chupa” bastante liquido. Pra isso não acontecer tanto, é mantido em cima de areia, sempre úmido. Outra curiosidade é que como o barro deixa passar muito oxigênio, essa talvez fosse uma das explicações para alguns vinhos feitos em ovos ou em ânforas serem, tradicionalmente, vinhos de maceração muito longa com as cascas. Pois as cascas acabavam protegendo o líquido da oxidação. 
Mas vamos falar do ovo. Pra quem não conhece pode ter soado meio estranho. Em algumas regiões se usa a centenas de anos, mas ultimamente está voltando à moda entre os mais vinhateiros mais descolados. Em vez de usar barricas de carvalho francês, por exemplo, tem gente que está usando ovos de barro ou de cimento. O formato é interessantíssimo e dependendo do material – concreto, barro, etc…. vai deixar o vinho de maneira diferente. Na verdade existe todo um estudo sobre  a forma do ovo e como isso interfere na fermentação ou no amadurecimento do vinho…. mas isso deixo para outro post, pois é bastante complexo. 
Esse aqui é outro ovo. Ou mini-ovo. É um experimento do Mateus , de fazer um ovo de granito. O ovo está escavado dentro dessa pedra que vocês estão vendo.  Petrus que nada, isso aqui é o Pedrus! rss….  Vinho amadurecido em pedra.  Ele faz apenas 30 litros.  Uma mineralidade profuuuuuuuundaa. Nunca provei algo assim na vida; interessantíssimo.  
Mas não é só de ovo que se vive a Muxagat. Aliás, pelo contrário. A maior parte ele amadurece em barricas ou em barris, grandes. Ele usa madeira eslovena, francesa, austríaca, croata. Prefere os botes maiores, daqueles que se usavam em Portugal antigamente. Quando faz os vinhos, procura fermentar e colocar nas pipas. Depois não trasferga, não faz nada – o vinho demora mais para ficar pronto, mas segundo ele, fica mais intacto, mais virgem, e em garrafa, acaba durando mais. 
Provei um monte de coisa na adega. Rosé de Tinto Cão e tinta barroca. O Muxagat tinto, com mistura de castas, altitudes e parcelas – como touriga, touriga franca, souzão e vinhas velhas mescladas entre si. E claro, o Cisne – o patinho feio que se transforma depois de um tempo. O Cisne é um vinho de Rabigato e Tinto Cão, que quando é jovem tem um cheiro estranho, fechado, e que lembra ….. bueiro, rato, coisas do gênero. Conforme ele vai amadurecendo, vira uma coisa extraordinária. Profundo, complexo, arrebatador. Um cisne na sua melhor forma. 
Depois de provar deus-e-o-mundo na adega ( essas viagens são assim mesmo, quando você menos espera, já está alcoolizado, e na expectativa ainda de uma noitada regada à vinho ), fomos pra casa do Mateus e da Tereza, sua esposa. Outra fofa, linda e pra lá de competente. É o braço direito do pai do Mateus na Ramos Pinto. Aliás, para nossos amigos naturebas, uma ótima notícia: a Ramos Pinto parou de usar pesticidas faz 3 anos em seus vinhedos. Oh yeah. Fantástico. 
Aí em cima são o Mateus e a Teresa ( agora não sei se é com s ou com z, perdão ), com o Cisne 2011, ainda sem rótulo. Eles se mudaram para uma casa onde poderão plantar os vinhedos ao lado. Essa é a ídeia: ter os vinhedos do lado da casa, alguns animais, algumas árvores, amendoeiras… como uma quinta tradicional, equilibrada. Os filhos, criados meio à natureza e ao trabalho dos pais. Um projeto de vida lindo. 
E esse é o Pinguinos! Projeto do Mateus, da Tereza e do seu irmão, Gabriel, na Espanha. Vinos Subterraneos.
 Em San Vicente de la Sonsierra. Graciano, Tempranillo, Viura – sem filtração, naturalíssimo…….. Um escândalo. E sim, San Vicente, São Vicente, San Vincent, Saint VinSaint! Uhuu! A Tereza até me mostrou um projeto de arte com fotografias em torno de algumas pessoas  da região retratadas como alguns santos – um deles, claro, São Vicente. 
Fenomenal. 

Esse é o Muxagat branco Xistos Altos ( ele passa por barricas austríacas, que dá um toque floral interessantíssimo ), da uva Rabigato. Um escândalo. O Mateus é um vinhateiro que faz cultivo baseado em princípios biodinâmicos ( ele adapta os compostos com plantas da região) e utiliza na vinificação, natural, apenas um pouco de SO2. Ao lado, António, Casal Figueira, vinho natureba da região de Lisboa ( vamos tentar visitar também, pois o vinho é uma delicia e a história da Marta, que hoje faz o vinho e é amiga do Mateus, é linda – o vinho é uma homenagem ao marido, que faleceu pisando uvas ). A uva é Vital, vinhas velhas de solo calcáreo e clima atlântico.

Isso é xisto, base do solo do Douro. No outro dia pela manhã o mateus nos levou para visitar outra propriedade da família, a Quinta do Monte Xisto. 
Um monte de xisto …….. e amendoeiras em flor. Nada mais Douro do que isso. 
E já viram de onde vem a rolha? 
Esse é um pedaço da cortiça, que é a casca de uma árvore chamada sobreiro, com os recortes que viraram rolhas.
Esse é um liivro de cozinha aqui da Tereza e do Mateus – diferentes tipos de “atuns”. Fiquei fuçando na cozinha deles enquanto eles preparavam o jantar, e dei de cara com esse livro. A conversa surgiu pois comemos uma conserva de bonito com azeite e cebola de uns parentes da Tereza. Os pimentões do jantar, idem. O peixe grelhado foi do peixeiro local, e os ovos revueltos ela fez, com aspargos selvagens……. ali da casa deles. Aliás, esqueci de falar! A Teresa é espanhola! E os ovos revueltos dela, fenomenais…. rs 
Aqui já é o Mateus mostrando a condução é poda em cordão, que substituiu a poda “antiga”, tradicional do Douro.  Ele está tentando voltar com a poda antiga. 
Na poda antiga, as vinhas ficam mais baixas ( com apenas duas bifurcações de galho ): ela fica em formato de arbusto e as folhas, nesse formato, acabam protegendo as uvas, refrescando a temperatura dos cachos ( pois na época da colheita é muito quente ). A seiva tem mais força para correr numa vinha baixa, e é um tipo de poda que faz com que a videira dure mais tempo. Mas é mais difícil para a colheita, por isso foi meio abandonada. 
Nem dá pra contar tudo o que vi e que aprendi com eles. Só indo lá mesmo – coisa que recomendo, inclusive, com todo mundo que visitei nessa viagem. Deixo aqui o contato.
Saúde!!!!
8/4/2015
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