Comida, Sustentabilidade, Divagações

O projeto de ser um restaurante sustentável.

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Muita gente me pergunta a razão de tanta chatice. A questão é que eu poderia sim estar com muito mais dinheiro no bolso e bem menos dor de cabeça. Mas quando a gente deita a cabeça no travesseiro, nada paga a consciência tranquila. Claro que tem hora que é um saco, e a gente quase desiste. Principalmente aqui no Braza, onde o mundinho dos orgânicos é quase nulo, a gente sofre praticamente um bullying dos colegas e dos consumidores, os impostos e preços são astronômicos e no fim das contas, acabamos não vendo aquele patza resultado financeiro, e sua conta bancária permanece empatada mesmo depois de oito anos na estrada – com muito cliente ainda não entendendo o rolê. Mas como disse uma vez um amigo meu, a gente não se torna orgânico, a gente nasce. Então quando a gente sabe o que é certo, fica difícil não fazer nada. Cada um dentro da sua possibilidade, claro.


Vamos lá, e ninguém é perfeito. Eu ainda uso carro pra me movimentar em Sampa ( uso a bike só de vez em quando ), ainda não converti energia na enoteca ( só em casa ), nem tenho coletor de água ( juro que desse ano não passa ). Pinto o cabelo, uso maquiagem ( nem sempre é orgânica ), ainda tenho mais produtos de origem animal do que eu gostaria no cardápio. Mas um passo de cada vez, não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo. E não tenho maturidade pra sair de cara lavada ainda… rss… Mas em casa, a energia é solar, a água é de poço, as hortas são regadas só com essa água, toda a produção é orgânica. Temos galinhas para ovos e cabras pra leite. Não entra produto de limpeza convencional, tudo é reaproveitado, compostamos, reciclamos, só usamos sementes orgânicas ou biodinâmicas, a ração dos bichos é toda feita por nós com comida de verdade.

Mas e no restaurante? Bom, no restaurante é que o bicho pega.

Daí você quer ser o mais sustentável possível, mas tem um restaurante – por excelência um estabelecimento dos menos sustentáveis possíveis. O fato é que não dá pra ser sustentável num modelo comum de restaurante – mas isso eu escrevo outro dia. Foi por isso que na Enoteca resolvemos radicalizar mesmo. Não dá pra fazer que um estabelecimento seja sustentável se você está pensando com uma cabeça convencional; da mesma forma que não podemos avaliar um vinho natural como se fosse um vinho convencional. São outros mundos, outros parâmetros. E pra quem acha que não dá pra ser sustentável num restaurante, eu respondo que dá sim. Mas tem que abrir mão do modelo de restaurante habitual, abrir mão da comodidade e estar preparado para muito perrengue.

Embora ainda falte muito para chegar no ideal, estamos no caminho. Só usamos insumos orgânicos e artesanais, pequenos produtores ao redor de Sampa. Tiramos todos os produtos industrializados e refinados, como açúcares e farinhas. O cardápio é sazonal, não usamos óleos vegetais processados e nem farinha de trigo comum. Reaproveitamos as cascas, reciclamos, comportamos, o que não dá pra usar fazemos ração para os bichos de casa. O leite é cru, os queijos e embutidos são artesanais. Fazemos todas as preparações do zero, como nosso próprio leite condensado, todas as conservas, compotas.

Nós produzimos todas as ervas e hortaliças em nossa horta orgânica, em casa, lá na Granja Viana. Só com composto feito no próprio terreno – parte que bem do lixo do próprio restaurante – e água de poço. Desde que começamos a produzir os gastos com hortifruti caíram mais de 1/3. Temos galinhas para os ovos e cabras para leite ( embora eu coma praticamente todos os meus ovos em casa e ultimamente o Kefir anda mamando todo o leite da Maruska ). Reutilizamos todos os restos de vinho para fazer vinagre, que damos de brinde para os clientes. Fazemos kefir de água para nossos pães, que são feitos todos os dias com fermento natural e fermentação longa, com base de trigo ancestral. O que sobre vira farinha de rosca. Os leites e manteigas são crus, orgânicos e artesanais, e nos adaptamos as “safras” de leite mesclando leite de cabra lá de casa, cru de búfala e orgânico de vaca. Fazemos leites vegetais também – e a farinha que sobra de coco e castanhas vai para pães ou outras receitas. Por falar em receitas, hoje cerca de metade do menu é vegetariano. Quando entra carne, é orgânica, caipira, de bichos que viveram de maneira saudável e o mais sustentável possível. Privilegiamos verduras não convencionais. Só usamos farinhas artesanais e brasileiras, com exceção da espelta. Compramos os produtos diretamente do pequeno produtor, evitando os intermediários. Os vinhos são todos naturais, biodinâmicos e orgânicos, com ênfase nos produtores naturais e artesanais brasileiros. Quando dá produção grande em casa ou conseguimos comprar grande quantidade de um legume a preços mais baixos, por exemplo, fazemos conservas em vinagre ou lactofermentadas, com o soro do leite que sobra da coalhada. Esse soro também entra na rega da horta e em receitas. É fácil fazer tudo isso? Não. Tem muita mão de obra? Sim. Ainda falta muita coisa pra fazer? Com certeza. E mesmo assim vala pena? Sempre.

27/11/2016
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