Comida, Sustentabilidade, Divagações

Modinha sustentável ou “a era dos sustentabilistas”

Hoje se fala muito de um resgate gastronômico, da valorização das nossas raizes culturais, de pancs, de volta à terra, de cozinha caipira, de banha de porco ser saudável, de ovos de quintal, de bichos criados soltos, de receitas de família. Tudo parece ser local, artesanal e orgânico. A galera até mesmo voltou a achar acessórios de ágata, coador de pano, colher de pau, panelas de barro e fogão à lenha chiques de novo.

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Vivemos uma era “neo” árcade, onde pessoas sonham com pés na terra, marias antonietas cultivam suas hortas dentro de seus castelos, sonhando com uma casa de pau à pique e um cantinho pra colher sua mandioca.

É. Pouco a pouco estamos entrando na nova grande onda mundial: a onda da sustentabilidade e da volta ao campo, às tradições, às receitas de família, ao cozinhar em casa. Urbanóides trocam o pão de trigo ( que não é planta brazuca ) por tapioca de manhã, louvando nossa mandioca. Trocam o expresso italiano por grãos brasileiros de microlotes moídos e coados na hora. Trocam as panquecas americanas por bolos caseiros de milho. Trocam suas vodkas por cachaças artesanais. Trocam sua cerveja gringa por cerveja artesanal brazuca. Trocam sua alface por taiobas, suas lichias por marias pretinhas, seus petit gateaus por pudins de leite. Ah! Que maravilha.

Mas não se esqueçam que como toda onda de comportamento, não estamos isentos da moda. Sim, vivemos em uma época onde ser sustentável é cool, e te faz parecer uma pessoa melhor.

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Franjas cortadas displicentemente e barbas com um quê de nem te ligo fazem parte de um uniforme visual que acompanha as tradicionais camisas quadriculadas, as botas de roça, os vestidos de chita, as estampas interioranas, os piqueniques caríssimos no campo com toalhas de marca, os hotéis rústicos de luxo rural para uma experiência de campo com o conforto necessário, a adoração por bolsas de palha, por tapetes de fuxico e tudo o que tiver um selo de orgânico, natural, free range, artesanal, ancestral, da vovó no rótulo. Sim. Pra quem ainda não percebeu, estou sendo irônica.

O retorno à terra e a uma preocupação com a sustentabilidade não só importante, mas o único caminho viável pra que a gente não se mate de vez – mas temos que lembrar que nós, seres humanos, somos tontos o suficiente para abraçar causas apenas para parecermos melhores pessoas para os outros.

Nós somos capazes de transformar em marketing, tendência, modinha e comércio idéias genuínas. Desse jeito, começamos a agir muito mais por conta da moda, da pressão de pertencer aos mais descolados e da tendência de ao invés de agir por conta…. da consciência. É só lembrar que a Monsanto é a maior vendedora de sementes orgânicas do mundo e a China exporta toneladas de alimentos com falso certificado orgânico.

Isso sem falar dos restaurantes farm to table, funcionais ou orgânicos que não reciclam lixo, usam fundo de carne industrializado, gastam pequenas fortunas com produtos importados que vem lá de sabe-se da onde gastando carbono pra cacete em transporte e continuam servindo o atum já intoxicado pela poluição dos mares, em vias de extinção ou então o salmãozinho confinado que come ração de restos de frango e corante.

Fui eu que acordei de mal humor? Não, pelo contrário. Mas é um erro achar que nessa nova onda tudo são flores. As melhores pessoas que eu conheço e que mais estão fazendo pela tal da sustentabilidade propriamente dita não são as que aparecem nas revistas ou nas fotos bonitinhas das redes sociais – algumas o são, independente disso, obviamente, mas existe uma multidão de anônimos que não fazem questão nenhuma de fazer bonito pros outros e estão dando um puta duro no trabalho realmente verdadeiro, sem floreamentos, glamour rural ou pseudo espiritualismo.

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A questão é ( e eu não me excluo da turba ): até que ponto os sustentabilistas de hoje estão levantando suas foices para garantir melhores condições de vida, de alimentação, de cuidado com o planeta, de maior conexão com tudo…. ou estão apenas preocupados egoicamente em parecer pessoas melhores em seus espelhos, rodinhas de conversa ou em suas contas no Instagram?

Não se espante se quando você parar pra pensar você também começar a se preocupar com isso. O que realmente estou fazendo por minha consciência de fazer um mundo melhor e de melhorar a mim mesmo, e o que estou fazendo somente para pertencer a um grupo ou para se mostrar engajado? Acho que todo mundo, invariavelmente, quando pára pra pensar, por melhor intencionado, se sente uma farsa – pelo menos alguma vez na vida. Afinal, nascemos num esquema de convívio social onde parecer que faz conta muito mais do que fazer propriamente.

Digo por mim. Um dos meus grandes dilemas é o equilíbrio entre divulgar, ensinar e passar pra frente idéias que acho importantes – sem que isso me faça achar que sou mais evoluída ou melhor que meu vizinho que não faz isso.

Até onde eu também não deveria fazer mais, sair da minha toca e dar palestras, escrever mais livros, fazer mais vídeos, dar mais cursos, para levar essas coisas importantes pra frente? E até que ponto achar que você é importante o suficiente para ter essa relevância toda não é só mais uma armadilha do nosso ego de pobres mortais, desesperados para ser alguém nesse mundão de Deus e receber atenção e reconhecimento? É. O buraco é sempre mais embaixo.

O buraco é sempre mais embaixo, mas quando lidamos com questões importantes como alimentação, relações, meio ambiente – temos que ter muito cuidado para não virarmos pseudo ativistas, surfando na superficialidade da onda sustentável.

Exemplo? Dez anos atrás tinha amigo meu que ria da minha cara quando aparecia com um vinho natural na mesa. Hoje, esses mesmos amigos substituíram seus Bordeaux por vinhos sem adição de sulfito mas continuam fazendo painéis caríssimos e garimpando só as preciosidades-dos-grandes-nomes-da-vinificação-natural-do-mundo.

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O produto muda, mas o comportamento continua – sem aprofundamento. Ok, sempre foi assim e sempre será. Antes era legal comer coquetel de camarão, hoje é legal comer dadinho de tapioca. Antes era legal comer hambúrguer congelado, hoje é legal comer local. Mesmo que pouca gente saiba o significado disso.

Tudo muda e tudo são modismos, afinal vivemos em um mundo predominantemente capitalista e a maior parte de nós se sente confortável em não refletir, acostumados a ter quem pense por nós. Afinal, pensar dói. Refletir machuca. E ter a responsabilidade por sua própria vida, atitudes, saúde e bem estar assusta muita gente; por isso terceirizamos tanto a felicidade, o bem estar, a alimentação, a criação dos filhos, a saúde.

Afinal, se outra pessoa é responsável, eu posso culpá-la. Mas se só eu sou responsável por tudo isso… ah, pois é. Daí o bicho pega. E minha pergunta continua: até que ponto não podemos nos perder nesse furor sustentável e esquecer dos verdadeiros motivos desse movimento todo? Vou dizer, as possibilidades são enormes.

Mas de qualquer maneira, por maior que seja minha piração e meu devaneio em relação à isso, ainda sou otimista em achar que mesmo com todos os pontos negativos que uma modinha pode ter, sempre existirão iniciativas boas, sólidas e verdadeiras. E isso vai permanecer. E mesmo com todo o modismo, todo o glamour, toda a superficialidade correndo solta, continuarão a existir as pessoas que matam a cobra, mostram o pau e realmente fazem diferença nesse mundo. Sejam elas criadas soltas ou não.

5/12/2017
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