Trigos antigos de chapéu no RS.
Vocês se lembram dos trigos antigos que trouxemos lá do Rio Grande do Sul, na última Caravana Natureba? Viraram massa de torta de maçã, pão de fermentação natural, biscoito de especiarias….
A farinha de trigo vermelho de chapéu que usamos nos testes dessa semana a gente trouxe lá de Ipê, do Vilmar Menegat, um dos grandes guardiões de sementes do estado. Ele planta, colhe e mói esse trigo antigo em moinho de pedra. O resultado é uma farinha integral amendoada, rústica, doce, com um sabor super acentuado do próprio grão: algo que lembra o trigo demolhando pro kibe ao malte de cevada depois de usado pra cerveja. Só provando pra entender.
Como a farinha é integral, preserva as fibras, muitos nutrientes, muita proteína e também água, o que a faz mais “pesada” que as farinhas refinadas, e também com menor necessidade de hidratação ( estamos chutando essa ultima informação, mas pelo menos foi o que a gente constatou testando as receitas ).
Esses trigos antigos são de variedades “vermelhas”, trazidas pelos italianos nas imigrações pro Sul do país, algo em torno do final do século 19 e início do 20. Tem gente que chama de trigo vermelho, tem gente que chama de trigo de chapéu, tem gente que chama de trigo muco e de “trigo que pega na roupa”. Em comum, são trigos altos, mais frágeis – tombam fácil com o vento, pouco produtivos, menos grãos por espiga, grãos mais difíceis de soltar.
A maior parte deles “sobreviveu” até hoje não por conta de consumo como comida, mas por causa de sua… palha. Como são trigos altos, a palha é mais longa e ótima para fazer as tranças de palha, usadas até hoje na elaboração de artesanato, e principalmente, chapéus. A própria mãe de Vilmar ainda costura os chapéus à mão, e demora mais de dois dias pra isso. Clarice, uma das vizinhas de Boroto, em Garibaldi, idem. Aliás, é dela que consegui algumas sementes, que ainda não sei o que fazer com elas. Talvez até plantar, mesmo.
Exatamente que trigos são, ainda não sei. Estou fuçando pra ver se descubro mais.
Certeza, certeza, tem o Sadi, que já fornece pra gente o fubá de milho crioulo integral, e que planta variedades antigas como Frontana e Ardito, dois trigos italianos do início do sec. XX. Novembro vamos pra lá acompanhar a colheita e tentar fazer farinha com ele, pra ver no que dá.
A idéia é, mais do que fazer quitutes gostosos, ver se de alguma forma incentivamos o pessoal a voltar a moer suas farinhas. A maior parte dos brasileiros, sejam do campo ou da cidade, sejam gaúchos ou paulistas, se habituaram a consumir uma farinha branca refinada industrializada que é pobre em nutrientes, morta em energia, cheia de aditivos, e feita a partir de um trigo que é um bomba de alérgenos, modificado pela indústria alimentícia nos últimos cem anos, e à base de monocultura, fertilizante sintético e agrotóxico. Até mesmo o pessoal que planta trigo às vezes não usa mais seus grãos – afinal, não existem mais tantos moinhos, e acaba sendo mais trabalhoso e às vezes até mais caro, por falta de estrutura, moer sua própria farinha. Mais grave do que isso, a lavagem cerebral da indústria alimentícia é tão grande, que nós nem refletimos mais sobre o assunto, não vamos atrás, não tentamos resgatar ou pesquisar sobre algo que está ali, literalmente, no nosso quintal.
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