Divagações, Vinhos

Vinhos probióticos?

Ok, ok, confesso que a chamada foi bastante marketeira. Mas a intenção foi justamente levantar a bola pra discutir sobre esse assunto. E embora eu não goste de usar esse termo “probiótico”, pois soa muito pseudo nutricional, tem muita gente lá fora usando esse termo sim para falar sobre os vinhos naturais, inclusive, à favor dos que acham que vinho natural é “contaminado” por bactérias e leveduras.

Em tempo. Existe muito vinho natural mal feito e ruim. Isso não tem nada a ver com o fato de que, vinificando de maneira natural, você preserva a vida microbiológica desse vinho – que são essencialmente, bactérias e leveduras. Muitas delas, pasmem, da mesma turma que fazem os alimentos fermentados serem louvados por aí. Vamos do começo.

O que é vinho natural?

Bom, vinho natural é vinho feito com uvas orgânicas ou biodinâmicas, e depois vinificado de maneira natural.

Vinho natural na verdade se refere à vinificação, então. Essa maneira “sem intervenções” de se elaborar um vinho, depois que você colhe as uvas – que devem ser orgânicas ou biodinâmicas por princípios óbvios de coerência com o movimento. Se o vinho natural prega a autenticidade, a saúde, o retorno ao verdadeiro e a saúde dos solos e equilíbrio do meio ambiente…. não tem sentido fazer vinificação natural com uva convencional, certo? Certo. Partimos daí.

A própria uva orgânica ou biodinâmica já é muito mais rica em componentes dos mais diversos, que a farão mais complexa e equilibrada, e também mais rica em vida microbiológica. É uma uva mais saudável. Além de desenvolver mais compostos antixoxidantes, é uma uva que não teve interferências de produtos sintéticos e nem carrega resíduos de veneno, tipo Glifosato, um dos mais utilizados no mundo. Antioxidantes? É. Uvas orgânicas  são cerca de 50% mais ricas em compostos antioxidantes, como por exemplo, o reverastrol – afinal, as plantas cultivadas de maneiras orgânica e biodinâmica acabam adquirindo mais resistência natural – e uma das defesas das plantas são os antioxidantes. E não sou eu que digo isso. Foram estudos realizados na Universidade de Roma – Nutrição Clínica ( em 2013 ) e pelo o Departamento de Nutrição Humana de Southampton ( 1996 ). E assim como esses, vários outros endossam o óbvio: menos é mais. 

Entendido isso, vamos à vinificação. 

De acordo com o dicionário, vinho é “a bebida alcoólica resultante da fermentação total ou parcial do suco ( mosto ) de uvas frescas”.

Só isso ? Pois é. Teoricamente vinho é suco de uva fermentado.

Isso acontece por causa da fermentação alcoólica. É ela que transforma o suco em vinho propriamente dito. As leveduras (um tipo de fungo) se alimentam do açúcar contido no mosto, liberando gás carbônico, energia e álcool. E daí a mágica está feita. Aquele suco de uva meio docinho de repente fica seco e … alcoólico. Mais simples do que muita gente imaginava. Afinal, vinho não passa de um alimento fermentado – como os queijos, pães, legumes ou verduras lactofermentados e etc., alimentos que dependem de processos naturais e de seres vivos – sejam eles bactéricas, leveruras, fungos, para existirem. 

Só que a verdade não é bem essa. Hoje, “suco de uva fermentado” é o que chamamos os vinhos feitos com o mínimo de intervenção, como os vinhos naturais, biodinâmicos e alguns orgânicos. Pois a maioria dos vinhos já não é só suco de uva fermentado faz teeeempo.

Hoje o “normal” é a elaboração de vinhos com ajuda de aditivos enológicos. São o que chamamos vinhos convencionais. Esses aditivos enológicos servem para “ajudar”, “melhorar”, “modificar”, “acelerar” e fabricar o vinho de acordo com a vontade do enólogo. Que, vamos lembrar, é um especialista químico. A lista de aditivos é enorme, assim como as técnicas enológicas, pensadas para facilitar a elaboração do vinho em escala comercial. O problema é que ao longo do século XX, mais as pessoas esqueceram como se fazia vinho sem uso desses artifícios, e é considerado “normal” a utilização deles, mesmo em cantinas familiares. Os enólogos saem das faculdades de enologia sabendo como fazer vinhos através dessas “receitas” de põe, tira, modifica…. e o que era vinho acabou virando um produto industrial alimentício.

Sabem a diferença entre um produto industrial alimentício e um alimento? Uma laranja é um alimento. Um suco de laranja de caixinha é um produto alimentício. Vinho natural é alimento. Vinho industrial é produto industrial alimentício.

O problema é que você não precisa ser uma indústria para fazer vinho industrial. Muita gente pequena utiliza os mesmos venenos na lavoura e os mesmos aditivos no vinho – e o pior, às vezes sem o conhecimento da grande indústria, o que faz com que a margem de má utilização dos venenos e dos aditivos seja enorme. Daí é veneno de maçã correndo no vinhedo, sulfito pra mais de metro, e por aí vai.

Mas o que se coloca no vinho? 

Hoje em dia são centenas os aditivos enológicos disponíveis para a elaboração do vinho. Pra quem acha que eu exagero quando comparo uma laranja e um suco de laranja, vamos lá.  Vamos dar alguns exemplos de técnicas e insumos utilizados na vinificação convencional, para dar uma idéia da quantidade de recursos que existem hoje em dia para se fazer um vinho e moldá-lo da maneira que quiser. Corretores de acidez, corretores de cor, taninos artificiais, enzimas diversas podem ser utilizadas para alterar a cor, melhorar a limpidez, abrir ou melhorar os compostos aromáticos, e acelerar ou não o envelhecimento. Exemplo: o Mega Purple ou o Ultra Red, aditivos que mudam a cor do vinho, deixando eles mais “tintos”, além de aumentar a concentração de açúcar.

Assim que as uvas são colhidas, podem-se utilizar diversos aditivos para conservação dessa uva e impedir a oxidação, como SO2, ácido ascórbico ( que é uma vitamina C sintetizada artificialmente ), bissulfito de potássio, bissulfito de amônio, metabissulfito de potássio. Para extrair alguns compostos polifenóis responsáveis por estrutura e cor, como taninos e antocianos, se podem utilizar enzimas diversas.

Daí você pode, em vez de deixar o vinho fermentar naturalmente, adicionar uma levedura selecionada para fazer o trabalho – ela vai modular sua fermentação e dar origem a aromas e sabores específicos. Nem vou entrar muito nesse assunto das leveduras, mas é ponto pacífico que não dá pra falar em terroir se você não utiliza as leveduras do seu terroir. E há ainda quem diga que os níveis de histamina produzidos na fermentação por leveduras selecionadas acaba sendo maior ( veja essa tese ) , o que resulta em vinhos com maior possibilidade de dar aquela dor de cabeça no dia seguinte, pois muita gente tem alergia ou sensibilidade à histamina. Sobre a ressaca e a dor de cabeça a gente fala em outro post.

Ah sim. Lembrando que boa parte das leveduras selecionadas são OGM, ou seja, organismos geneticamente modificados, ou seja novamente, transgênicos.


Seguem aqui alguns exemplos de leveduras comerciais, dos principais laboratórios se seleção de leveduras, e seus efeitos na modulação de aroma e sabor dos vinhos, através da fermentação.  

Lalvin ICV – D21: Isolada em 1999, no Languedoc, esta levedura ajuda a estabilizar a cor, intensifica a entrada e o meio de boca, e realça o frescor no final. É usada para vinhos com grande estrutura tânica. Mantém uma acidez maior e inibe o surgimento de aromas de geleia e frutas cozidas. Produz pouco enxofre e realça a expressão da fruta, além de inibir aromas herbáceos em vinhos de Cabernet Sauvignon.

Red Star Assmannshausen: Levedura alemã para vinhos tintos, cujas principais características são a intensificação da cor e a valorização de aromas de pimentas. Usada para Pinot Noir, ultimamente tem sido aproveitada, com sucesso, para vinhos com uvas Cabernet Sauvignon.

Red Star Côte des Blancs: De arranque lento, esta é uma levedura feita para fermentações em baixas temperaturas. Usada em brancos, costuma realçar aromas florais e frutados, especialmente pêssego.

Wyeast 3783 Rudisheimer: Usada na produção de Riesling, libera aromas frutados e ajuda a criar um perfil cremoso, com uma sensação de doçura no final. Comum em Ice Wine.

Wyeast 3242 Chablis: Usada para vinhos brancos frutados, gera vinhos macios, com boa presença de boca e domínio da fruta no aroma. Também libera discretos aromas de baunilha.


Continuando no que se pode adicionar, retirar e modificar no vinho convencional.

Ativadores de fermentação e nutrientes para leveduras selecionadas podem ser usados, como a tiamina, sulfato de amônio, fosfato diamônico. Ainda no mundo das leveduras e bactérias, pode-se barrar a fermentação malolática ( usando SO2 para matar as bactérias lácteas naturais, que fariam o trabalho normalmente ) ou incentivar a mesma ( usando bactérias lácteas ) nesse vinho. Correções diversas, como a correção de acidez, pode ser feita adicionando ácido tártárico, ácido málico e em alguns casos, embora seja proibido, ácido sulfúrico. Para baixar a acidez, bicarbonato de potássio, carbonato de cálcio, tartarato de potássio. So2 e bissulfito de potássio, assim como pasteurização flash, lisozimas, dimetil dicarbonato, ácido sórbico são usados para estabilizar o vinho. Para clarificar e estabilizar,  existem inúmeros produtos, desde os mais naturais como claras de ovos, caseína – uma proteína do leite, proteínas animais diversas e bentonite – até os mais sintéticos, como Polivinil Polipirrolidona (PVPP) – carbono ativo, caseína, goma arábica, bentonite, albumina, gelatina, sílica, cola de peixe estão na lista. Ácido metatartárico e manoproteínas são usadas na estabilização do ácido tartárico. Citrato de cobre ou sulfato de cobre podem ser utilizados caso o vinho esteja com redução. Para aumentar a estrutura tânica do vinho, pode-se utilizar taninos artificiais. Em vez do vinho estagiar em barricas, para dar gosto de madeira é permitido chips de madeira. Como conservante, o SO2 é o mais usado. 

Algumas técnicas enológicas também são comumente empregadas, como controle de temperatura nos tanques de fermentação, adição de açúcar para aumentar o volume alcoólico do vinho (chaptalização, seja com açúcar de cana, de beterraba, mosto concentrado, suco de uva concentrado ), destilação à vácuo e osmose reversa ( que “tira” um pouco da água do mosto, deixando-o mais concentrado ). Dá pra congelar a uva e prensar ela nesse estado meio congelada, meio não congelada, assim o volume de água no mosto fica menor – se chama crio-extração. Correção de acidez pode ser feita por eletrodiálise. Filtragens das mais grossas às mais finas, que praticamente esterilizam o vinho, podem ser feitas: centrifugação, filtração tangencial, filtragem em celulose. Na hora de estabilizar o ácido tartárico, estabilização à frio, eletrodiálise e troca iônica. 

Ou seja, dá pra fazer o que você quiser com o seu mosto – e transformá-lo no vinho que quiser também. É só corrigir e “melhorar” da maneira que bem entender. Fora todos esses insumos enológicos, existem também inúmeras técnicas de vinificação capazes de modificar esse vinho. Lembrando que muita coisa que eu falei aqui em cima pode ser usada na vinificação orgânica, mas são proibidas nos vinhos biodinâmico e naturais. 


Insumos permitidos na Europa para vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais:

Vinhos de agricultura orgânica na Europa antes de 2012 : Acide citrique / Acide L(+) tartrique / Acide L-ascorbique / Acide L-malique D,L malique / Acide lactique / Acide métatartrique / Acidification par traitement électromembranaire* / Albumine d’oeuf / Ovalbumine / Anhydride sulfureux (SO²) / Auto enrichissement par évaporation* / Auto enrichissement par osmose inverse* / Bactéries lactiques / Bentonite / Bicarbonate de potassium / Bisulfite de potassium / Bisulfite d’ammonium / Carbonate de calcium / Carboxymethylcellulose (CMC) / Gomme de cellulose (CMC) / Caséinate de potassium / Caséine / Charbon œnologique / Chitine-glucane / Chitosane / Citrate de cuivre / Colle de poisson / Dichlorhydrate de thiamine / Dioxyde de silicium (gel de silice) / Ecorces de levures / Electrodialyse* / Enzymes bêta-glucanases / Fermentation alcoolique spontanée* / Flash pasteurisation* / Gélatine / Gomme arabique / Hydrogenophosphate di-ammonium (phosphate diammonique) / Hydrogénotartrate de potassium (Crème de tartre) / Levures sèches actives (LSA) / Lysozyme / Mannoproteines de levures / Matières protéiques d’origine végétale issues du blé ou du pois / Métabisulfite de potassium / Microfiltration tangentielle* / Morceaux de bois de chêne / Moût concentré / Mout concentré rectifié / Polyvinylpolypyrrolidone (PVPP) / Préparations enzymatiques (pectinases) / Résine échangeuse de cations* / Saccharose (Sucre) / Sulfate de cuivre / Sulfate d’ammonium / Tanins œnologiques / Tartrate neutre de potassium

Vinhos orgânicos na Europa a partir de 2012 : Acide citrique / Acide L(+) tartrique / Acide L-ascorbique / Acide lactique / Acide métatartrique / Albumine d’œuf (Ovalbumine) / Auto enrichissement par évaporation* / Auto enrichissement par osmose inverse* / Bactéries lactiques / Bentonite / Bisulfite de potassium / Métabisulfite de potassium / Bicarbonate de potassium / Carbonate de calcium / Caséinate de potassium / Caséine / Charbon œnologique / Citrate de cuivre / Colle de poisson / Dichlorhydrate de thiamine / Dioxyde de silicium (gel de silice) / Ecorces de levures / Fermentation alcoolique spontanée* / Gélatine / Go“me arabique / Hydrogenophosphate di-ammonium (phosphate diammonique) / Hydrogénotartrate de potassium (Crème de tartre) / Levures sèches actives (LSA) / Matières protéiques d’origine végétale issues du blé ou du pois / Microfiltration tangentielle* / Morceaux de bois de chêne / Moût concentré / Mout concentré rectifié / Préparations enzymatiques (pectinases) / Saccharose (Sucre) / Sulfate de cuivre / Tanins œnologiques / Tartrate neutre de potassium / Anhydride sulfureux (SO²) /

Vinhos biodinâmicos Demeter: Albumine d’œuf (Ovalbumine) / Anhydride sulfureux (SO²) / Bentonite / Charbon œnologique / Microfiltration tangentielle* / Saccharose (Sucre)

Vinhos naturais AVN : Anhydride sulfureux (SO²)

Vinhos naturais SAINS:  nada. 


Vida microbiológica dos naturais: 

Um teste interessantíssimo que Isabelle Legeron mostra em seu livro “Natural Wine” é o que ela fez com duas amostras de vinho, um natural e outro convencional de larga escala. Ambos da mesma região e denominação de origem, ou seja, mesma uva, praticamente mesmo solo, mas cultivos e vinificação totalmente diferentes. Batata. O vinho natural parecia uma balada de microorganismos, todos vivos, enchendo a tela do microscópio. O vinho em larga escala tinha uma meia dúzia de bichinho perdido numa imensidão de nada. Por isso, inclusive, que chamamos de vinhos vivos. Pois estão mesmo. E é exatamente isso que vai fazer com o vinho permaneça com suas características, se mantenha estável e possa evoluir com toda competência. Obviamente, o vinho testado era de um dos mestres do vinho natural francês, o Sébastien Riffault. 

Ughhnn, então vinho natural é vinho cheio de bicho? Coisinhas vivas, microscópicas, cheios de fungos e bactérias? É, é isso aí. Mas a galera acha o máximo que eles estejam no iogurte – os chamados probióticos, considerados fenomenais pra saúde – mas acham estranho quando eles aparecem no vinho. Leveduras, que são fungos, estão nos vinhos aos montes, estão presentes nos vinhos naturais – são às vezes centenas de populações vivendo em conjunto, algumas participando do início da fermentação, outras que dominam a parada depois, algumas que sobrevivem anos dentro da garrafa se alimentando de traços de açúcar, de aminoácidos e de outras leveduras. Bactérias também. As bactérias lácteas, responsáveis pela segunda famosa fermentação no vinho, a malolática – e que ocorre espontaneamente na maioria das vezes, depois ou no final da fermentação alcoólica – se você deixar – trabalham em conjunto com as amigas leveduras, e são as tais que estão presentes também nos iogurtes. Bactéria láctea, leite. Não é difícil de imaginar. Para quem lembra dos capítulos anteriores, essas bactérias transformam ácido málico em ácido lácteo, e dá aquela amaciada no vinho e muda sua textura e seu sabor. 

Em cima disso é que todos os bons vinhateiros naturais se baseiam: um vinho vivo e equilibrado não vai precisar de subterfúgios para e manter ao longo do tempo. Se o vinho tem o que ele precisa, não há necessidade de se adicionar nada. Pra quem gosta das comprovações científicas, já foram feitos diversos estudos mostrando que grande parte dos vinhos que duram anos e anos a fio, quando analisados, tem ainda populações vivas de leveduras e bactérias. Para se ter uma idéia, um dos processos que pode acabar com essa vida microbiológica do vinho é a filtração: existem filtragens tão finas, tão finas, que até os pobres dos bichinhos acabam indo embora do vinho. Daí eles ficam inertes, sem vida, sem nada, como o Sancerre de larga escala mostrado na foto lá do livro la Legeron. 

Pra quem ainda está achando tudo muito estranho, podemos pegar o exemplo dos leites de caixinha e os leites crus. Dos queijos pasteurizados e dos queijos de leite cru. Tirando a parte sanitária, que é um capítulo à parte, é inegável que qualquer cozinheiro que se preze vai dizer que o leite e o queijo de leite cru são absolutamente mais interessantes. O queijo de leite cru é um exemplo maravilhoso quando pensamos em vinho: é um queijo vivo, tanto quanto o vinho natural. 

Os tais efeitos “probióticos”:

Bom, o vinho natural é um produto vivo. Ponto. Como os alimentos fermentados em geral, certo? Certo. O que significa que é rico em bactérias. Pra quem ainda vive na era do medo das bactérias, saiba que apenas 1 ou 2% das bactérias conhecidas são patogênicas. São trilhões de bactérias nesse exato momento convivendo com nossas células, principalmente em nosso intestino. Aliás, se for contar, a gente tem mais bactéria do que células, o que pode ser um cálculo meio bizarro, mas nos faz pensar bastante sobre a importância desse mundo “invisível”, que atua na nossa saúde e no nosso comportamento, de maneiras que nem imaginamos. Boa forma, sentir-se feliz e sociável, por exemplo, são exemplos de comportamentos associados à boa saúde da flora intestinal. 

As bactérias probióticas geralmente estão presentes no vinho natural não filtrado e não sulfitado. Sem chorumelas. Isso pois os sulfitos e a filtração podem acabar retirando ou inibindo essas bactérias do vinho – coisa que acontece nos vinhos convencionais/comerciais.

Vinhos comerciais, por exemplo, são filtrados ( existem filtrações finas para esterilizar o vinho ) justamente para se livrar de quase todas essas bactérias e sedimentos, o que acaba deixando o vinho, literalmente, sem vida. O vinho natural mantém essas bactérias benéficas. Bingo. Não precisa nem de estudo científico provando a + b, precisa?

Mas já que é pra partir pro cientificismo ( adoro ), entre essas bactérias que existem no vinho natural, está por exemplo a Pediococcus pentosaceus, uma bactéria que se liga à parede intestinal e a protege de patógenos como E. coli. E o vinho também é cheio de bactérias lácteas. Essas bactérias são as mesmas que ajudam a protejer sua imunidade, diminuem a inflamação do organismo e tem os mesmos benefícios de alimentos como os lactofermentados, por exemplo.

Pra quem gosta das provas científicas, calma: pesquisadores na Espanha, lá em 2014, encontraram mais de 1o cepas de bactérias em um vinho, incluindo o Lactobacillus, que também é encontrado no iogurte, assim como as bactérias Oenococcus e Pediococcus – associadas ao processo de vinificação. “Até agora, muitos estudos relataram que os melhores alimentos para fornecer probióticos são produtos lácteos fermentados, de modo que as propriedades probióticas dos Lactobacillus relacionados ao vinho eram pouco estudadas”, disse Dolores González de Llano, da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha. “As propriedades probióticas das bactérias lácticas isoladas do vinho são semelhantes às dos probióticos que vêm de alimentos fermentados”, diz Dolores. 

Nesse estudo eles descobriram também que as bactérias encontradas no vinho não só sobreviviam no nosso organismo depois de ingeridas, mas sua sobrevivência era comparável ou até melhor do que a sobrevivência de várias outras cepas de bactérias conhecidas por serem benéficas para a saúde humana, como por exemplo, as do iogurte. 

Por essas e outras que a beleza e complexidade do vinho vivo vai além da taça. Passa pela saúde do meio ambiente e também pela nossa. Todas essas leveduras, bactérias e compostos que tornam o vinho natural delicioso e autêntico, também vão parar no nosso corpo e, de alguma maneira, ajudar na manutenção da nossa saúde. 

Como se não bastasse, existem também outros compostos no vinho que dão uma ajudinha na nossa flora intestinal. Os polifenóis, antioxidantes que dão ao vinho tinto sua cor, alimentam as “boas” bactérias intestinais como Enterococcus, Prevotella, Bacteroides e Bifidobacterium. Os polifenóis também removem as bactérias intestinais nocivas para dar espaço para o crescimento de novas colônias de “boas” bactérias. E não é só no vinho que a gente encontra os polifenóis. 

Se a gente se empolgar no assunto, até as leveduras selvagens parecem entrar no time. A Saccharomyces cerevisiae é encontrada em muitas fermentações expontâneas e aumenta a absorção de zinco, magnésio, cálcio e ferro através da parede intestinal. 

Obviamente que estamos falando de vinho, e vinho contém álcool, que é uma toxina.

Então não seria absolutamente inteligente a gente depender somente do vinho para o aporte dessas bactérias e componentes benéficos para nossa dieta. O vinho, por mais natural que seja, também tem componentes que podem fazer bastante mal à flora intestinal, como o açúcares, o próprio álcool e o acetaldeído. Aliás, sim, o excesso de álcool pode matar ou inibir as mesmas bactérias benéficas que tanto falamos. Então vamos ter bom senso. Ninguém aqui está dizendo para largar sua kombucha, seu chucrute ou seu kefir e se entupir de vinho. A discussão é mais sutil que essa – é sobre a vida do vinho, mesmo. E claro que o excesso, de qualquer coisa nessa vida, em vez de fazer bem, fazer mal.

 

28/12/2019
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