Sustentabilidade, Divagações

Reproveitamento: desperdício de alimentos.

O desperdício de alimentos é um dos principais problemas do mundo. 

Segundo pesquisa realizada em 2013 pela FAO/ONU, desperdiça-se anualmente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos bons e próprios para consumo. Hoje, estima-se que o desperdício de alimentos já corresponde a 1,6 bilhão de toneladas anuais, montante avaliado, em valores, em US$1,2 trilhão (Boston Consulting Group/BCG, 2018). 

Daria para encher 11.428.571 aviões que, se colocados um ao lado do outro, dariam 20,9 voltas na Terra. O pior é que metade disso mataria a fome real do mundo. Jogamos fora, por ano, o equivalente ao PIB de países como Austrália e Tailândia – que estão dentre um dos 20 países mais ricos do mundo – no lixo. E esse alimento, quando incorretamente descartado, vai para os lixões ou aterros e se decompõe, gerando gás metano na atmosfera, que é vinte vezes mais poluente que o CO2.

Pois é, desperdício de alimentos polui mais que carro. 

Se o desperdício de alimentos fosse um país, ele seria o terceiro mais poluente no mundo. E como é a situação do Brasil? Nosso país figura entre os países que mais desperdiça alimentos no mundo. Cada brasileiro desperdiça em média 41,6kg de alimentos por ano. 

O que é mais estranho e uma grande contradição é pensar nos altos índices de desperdício de alimentos e na grande quantidade de pessoas que não têm o que comer. No Brasil, 15,3 milhões de pessoas não estão, pois vivem em situação de pobreza extrema – miséria e fome –, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 2018).

E onde está esse desperdício? Na hora da colheita, quando a uva é arremessada lá do alto da parreira para o chão, sem amortecedor. No transporte, em que os tomates vêm amassados pelas caixas de madeira empilhadas, uns sobre os outros. Nos centros atacadistas, quando os abacaxis que vieram amontoados nos caminhões continuam amassados no balcões de venda. Nos mercados, sempre que os consumidores apertam a cebolas, enfiam a unha no chuchu e quebram a ponta da vagem para checar se o produto tem qualidade. Se o alimento não agradar o exigente comprador, seu destino é o lixo. Afinal, ninguém vai querer uma comida amassada ou quebrada. Ou vai? E aí, o que era bom, próprio, vai dando espaço ao invisível.

Do total de desperdício no país, 10% ocorre durante a colheita; 50% no manuseio e transporte dos alimentos; 30% nas centrais de abastecimento; e os últimos 10% ficam diluídos entre supermercados e consumidores.

Além de cultivo de alimentos cada vez menos nutritivos para agradar aos olhos, ainda temos uma perda enorme com legumes muito pequenos, cenouras de duas pernas, tomates sem cor. A maioria desses produtos vai pro lixo pois não são “comercializáveis”. E representa cerca de 20% da produção que vai pro ralo logo na primeira tacada, na seleção do produtor.

Alguns produtores, obviamente, usam esse excedente para alimentar animais, alimentação da comunidade local, etc. mas a grande maioria manda pro lixo mesmo. Sim, com quase um milhão de bocas no mundo passando fome.

Solução? São várias e abrangem muitas áreas.

Nós podemos fazer nossa parte. Não compre hortifruti nas bancas lindas e brilhantes. Se informe sobre os produtos utilizados nessas bancas-boutique para deixar os produtos brilhosos e conservados. Procure lugares que vendem produtos menos bonitos e mais saborosos. Supermercado não é o melhor lugar para comprar hortifruti.

Procure feiras, mercearias de bairro, peça por produtos de segunda linha, frequente as feiras orgânicas e os mercados orgânicos. Produtores orgânicos geralmente não se preocupam com a estética em detrimento do sabor ou da nutrição. Compre direto do produtor e diga que aceita mesmo os produtos “feinhos”.

Tem a sorte de morar num terreno grande? Ou então num apartamento com varanda? Ou tem um quintal? Plante. Couves, beringelas, saladas, ervas não precisam de muito espaço nem muita prática. Você tem alimentos frescos, orgânicos e baratos.

Priorizando os alimentos orgânicos ou os mais feinhos, você vai ter mais sabor, mais nutrientes e de quebra, mais dinheiro no bolso: pois geralmente esses legumes e verduras rejeitados são muito mais baratos.

Já virou chavão de ativista, acabou caindo no lugar comum mas não deixa de ser verdade. O que desperdiçamos de comida no mundo daria para alimentar mais do que o dobro das populações com fome. Sim, estamos falando de quase um milhão de pessoas com fome.

O desperdício está tão atrelado ao nosso padrão de alimentação que já não paramos para pensar em todos os aspectos da cadeia.

O produtor descarta alimentos pequenos ou “feios”, pois os clientes não compram. Na hora de processar esses alimentos, mais um monte é jogado fora. Restaurantes “chiques” chegam a desperdiçar cerca de 60% dos insumos orgânicos por purismo técnico ou estética. Poucos reciclam o lixo ou compostam o lixo orgânico. Em casa, nos acostumamos com refeições fartas, em descartar os restos e em cozinhar sem se preocupar com os talos dos brócolis, com as ramas das cenouras, com a carcaça do frango. Isso quando não fazemos um prato maior do que a boca e jogamos fora os restos.

A maior parte do desperdício comida começa no produtor, que tem se adequar aos cortes e padrões estéticos dos alimentos ( quem vai comprar uma cenoura feinha?! ), e a outra maior parte é na nossa casa e estabelecimentos comerciais. Somando transporte, armazenagem ( tem coisa que cai, tem coisa que estraga, tem caixa que tomba ), os desperdícios e perdas nos distribuidores, no produtor e em casa e nos restaurantes, voilá: mais de metade dos alimentos produzidos vão por água abaixo. Aliás, água abaixo mesmo, pois pra muitos alimentos, sejam cultivados, processado ou de origem animal, são usadas toneladas de água que também é, obviamente, desperdiçada quando o alimento vai pro lixo.

Vai pro lixo, não pra boca de quem está com fome. 

Ok, ninguém é ingênuo de pensar que podemos mudar isso da noite pro dia. Mas se parte do desperdício geralmente acontece na nossa casa ou nos nossos restaurantes, acho que vale colocar a mão na consciência e sair um pouco do conforto do sofá e das redes sociais, para ver que catzo então podemos fazer pra melhorar a situação.

Pequenas atitudes para evitar o desperdício de comida já ajudam mais do que você imagina.

A primeira coisa é mudar alguns hábitos “estéticos”. Pare de comprar legumes e verduras pela beleza.

Você escolhe seus amigos pela beleza ou pelo conteúdo? Embora uma grande parte escolha pelos primeiros atributos, pois inegavelmente vivemos numa sociedade comandada pela superficialidade das aparências, isso não deveria acontecer nem com as pessoas, muito menos com os alimentos.

Mas enquanto a sociedade se importar mais com a cor do cabelo, com a pele, com a marca da roupa ou com o número do manequim, vai ficar difícil mesmo convencer alguém de que os legumes e verduras não necessariamente se encaixam num padrão estético. São produtos naturais, cada um é de um jeito e não nascem todos iguais e “lindos”. Aliás, o que achamos de lindo em uma fileira de pepinos iguaizinhos é tão doido como acharmos bonito uma fileira de gente tudo igualzinha e com a mesma roupa.

É. Eu sei. Nossa comida diz mais sobre nossa sociedade do que gostaríamos que ela dissesse. Um pepino não precisa ser perfeito, uma cenoura não precisa ser perfeita. Pessoas e alimentos são diversos, e não iguaizinhos.

Frutas e legumes tortos, feios ou pequenos são tão nutritivos quanto os outros – bem verdade, na maioria das vezes, são até mais.

Sabe por que? Pois a maioria dos legumes, frutas e verduras “modernas” foram sendo selecionadas para serem grandes e vistosas. Isso à custa de seleção de espécies, cruzamentos e muita, muita utilização de insumos agroquímicos para maior crescimento, rendimento, cor, cascas perfeitas, frutas sem furinhos, couves sem mordidas de lagartas. Isso sem contar os produtos aplicados para batatas não brotarem, maçãs ficarem com a casca brilhante, e por aí vai.

 

19/12/2020
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