Trigo x Espelta
O trigo que conhecemos hoje é fruto de décadas de seleção para se tornar mais fácil de cultivar, mais fácil de colher, para dar melhores resultados na panificação, etc. Mas com isso ele também se tornou uma planta frágil, com menos nutrientes, mais dependente de insumos agroquímicos e com uma maior quantidade de componentes capazes de desencadear alergia no nosso organismo. Isso sem contar o índice glicêmico altíssimo, maior até que o açúcar refinado, que acaba dando picos de insulina exagerados e dando uma conturbada no nosso sistema hormonal, controle da fome, saciedade, acúmulo de gordura e saúde em geral.
Obviamente que o problema não é só o que fizeram com o trigo, mas também o superprocessamento ( refinamento ) e o excesso de consumo. Hoje a maioria das pessoas consome trigo ou derivados em todas as refeições, seja ele visível ou invisível ( num pão ou num molho, por exemplo ).
O espelta é da mesma família do trigo, mas é um primo distante. Conhecido como trigo vermelho ou farro, ele é parte do que se chama de “trigos ancestrais”. Conhecido a mais de 6000 anos pelos seres humanos fazedores de pão, ele não sofreu as modificações comerciais que o trigo comum sofreu, portanto, se parece mais com o que era a mesma espécie antigamente, preservando suas características.
O espelta tem sabor amendoado e é super saboroso. Tem mais e melhor qualidade de proteínas, minerais, ácidos graxos e vitaminas que o trigo comum. Ou seja, é mais nutritiva. Tem glúten, portanto não deve ser consumido por pessoas celíacas. De outro lado, o glúten faz pães bem aerados e de bom crescimento, com casca dura e crocante, rústico. Mas por sua estrutura “não modificada” comercialmente, ele é bem aceito para pessoas com alergia ou sensibilidade ao trigo e ao glúten ( que é diferente de ser celíaco ), além de ter um impacto muito menor na nossa resposta glicêmica.
Quem se preocupa com o que come sempre fica no dilema nutrição versus cultura alimentar. Bom, eu pelo menos fico.
É sabido, por exemplo, que o trigo moderno causa muito mais alergias e desconfortos que os primos ancestrais. Da mesma forma, é sabido que as farinhas refinadas fazem mais mal do que bem, por uma série de motivos. E ainda tem o lance de que o mesmo trigo, em suas diversas versões, dá picos gigantescos de insulina do sangue, o que pode desencadear vários desequilíbrios na saúde e na cinturinha de pilão.
Mas então não vamos nunca mais comer uma pizza ou um pedaço de pão?
Pois é. Quanto mais você estuda e se aprofunda ( e pelamor, sou apenas uma amadora nesse assunto ), mais chato você fica. E fica bem difícil comer as mesmas coisas, mesmo sabendo como aquilo pode fazer mal ou ao menos nenhum bem pro seu organismo.
Sobre o Espelta:
Desde que a gente começou a fazer pão de fermentação aqui na Enoteca a gente se recusa a usar trigo “comum”. Por diversas razões, dentre elas a utilização de agrotóxicos e as constantes modificações genéticas que fizeram com que o trigo corrente, moderno, seja muito mais alérgeno e menos digesto para o ser humano. Sim, a maioria das pessoas é alérgica ao trigo em si, e esse trigo moderno, não necessariamente ao glúten.
É, pois é.
Então desde que começamos tudo por aqui, partimos para farinhas artesanais orgânicas e também de trigos antigos. Farinhas de grãos familiares e antigos lá do Rio Grande do Sul, que amigos plantam e moem pra gente, farinhas de mandioca, de pinhão, de milho crioulo…. e farinhas sem adição de venenos como espelta, kamut, einkorn ( o que depende delas chegarem aqui no Brasil, obviamente ).
Mas vamos falar um pouco mais do Espelta, que é a base de farinha que a gente mais usa por aqui.
Espelta é um grão de sabor amendoado, e embora da mesma família, é muito diferente dos “primos” trigo, da cevada ou da aveia. É um híbrido de emmer e goat grass, de nome cientifico Aegilops triuncialis e mais conhecido como trigo de perdiz ou grama de cabra.
Provavelmente já era cultivado pelos povos da Mesopotâmia cerca de 9 mil anos atrás. No Reino Unido, existem registros de utilização de espelta em 2000 antes de cristo, e logo depois, ficou conhecido pelas tropas romanas – reza a lenda que os guerreiros de onde hoje conhecemos como Alemanha comiam esses grãos antes de irem para as batalhas, e os romanos gostaram tanto da idéia que incorporaram o grão na sua dieta. Na Itália o espelta até hoje é conhecido como faro, e durante as batalhas, os romanos faziam um pão de fermentação natural – obviamente – a partir de farinha de espelta, azeite de oliva, sal, água e mel.
Com as imigrações européias para as Américas, o espelta também atravessou o continente. Em 1910 já havia, mais de 600 mil acres desperta plantados nos Estados Unidos. Entretanto, com a “modernização” da agricultura e a hibridização e modificações genéticas do trigo no mundo inteiro, os grãos antigos como o espelta perderam lugar na dieta, substituídos por variedades comerciais mais aceitas por sua produção, facilidade de colheita e características próprias para panificação. O trigo moderno, por exemplo, foi selecionado pra perder a casca já na hora da colheita, embora a casca do trigo seja essencial para germinação, para preservação de nutrientes, frescor e proteção contra insetos, doenças ( o que diminui drasticamente a utilização de pesticidas ).
O espelta tem cerca de 50% a mais de proteína que os trigos comuns, embora seja bastante tolerado por pessoas alérgicas a trigo. Pudera, não é trigo, nem trigo “moderno”, embora não seja “sem glúten”, como alguns acreditam. Ele contém glúten sim, mas o interessante é que a maioria das pessoas que tem restrições a trigo não tem restrições específicas ao glúten – com exceção dos celiacos, claro – mas sim, uma intolerância ou alergia ao trigo em si, especialmente as variedades chamadas modernas ou comuns. A estrutura do glúten no espelta é mais “digesta” aparentemente que as estruturas do glúten do trigo moderno, e também mais solúvel em água.
O espelta tem alta concentração de fibras – o que faz até o próprio glúten ser digerido mais facilmente – e ajuda o colesterol a se manter equilibrado.