Você é o que você come.
Você é o que você come. A quantidade de vezes que ouvimos essa frase na vida é inimaginável. Mas a verdade é que por mais que a gente ouça, fale e até acredite nela, poucas vezes paramos para pensar profundamente no que ela representa. Bom, profundidade não é lá uma das qualidades da nossa geração, sejamos sinceros – mas não precisamos de grandes filosofias para saber que maior do que a quantidade de vezes que já escutamos essa frase é a quantidade de vezes que já levamos um garfo na boca. É. A gente se alimenta todos os dias. Várias vezes ao dia. É parte essencial de quem somos, como pessoas, como animais, como cultura, como sociedade.
Hipócrates já pregava, no alto de seu cargo de pai da medicina, que o alimento deveria ser nosso remédio. Muita gente continua sem entender o que ele queria dizer: pois esse conceito moderno de remédios e de doenças que é hoje nosso parâmetro parece que colocou o status da doença como nosso estado normal. Se você vive num estado de saúde mantido pela ingestão correta de alimentos, você não precisará correr atrás de alimentos ou remédios milagrosos. O alimento é o melhor medicamento pois ele não é um medicamento, é apenas o combustível necessário para que seu corpo seja, naturalmente, saudável. E existe uma diferença enorme nisso. Não é o alimento como “cura”, mas sim, o alimento como mantenedor de um estado de equilíbrio.
Agora maioria das pessoas que conheço – e que são consideradas extremamente saudáveis nos parâmetros de hoje – são habituadas a tomar de um a vários comprimidos ao dia. Remédios diversos, complementos alimentares, pra dormir, pra acordar, pra ficar feliz, pra malhar, pra fazer sexo, pra dor de cabeça, pro coração, capsulas milagrosas, preventivos, vitaminas, minerais, superfoods. A grande maioria das pessoas que conheço também tem alguma queixa ou desconforto constantes: dores, infecções, azia, desânimo, ganho de peso, bulimia, depressão, raiva, alterações hormonais, diabetes, má digestão, e por aí vai, pra não citar os mais graves como câncer, problemas no coração e doenças degenerativas em geral. A lista é enorme, e nem as crianças escapam.
A questão toda é que existe um pequeno mal entendido nisso tudo. Nós não fomos “feitos” para estar nesse constante estado de doença. A saúde é nosso estado natural – qual seria o propósito de toda uma espécie “projetada” para nunca funcionar direito? Um esquilo não passa por processos depressivos e nem uma tartaruga tem problemas de sobrepeso. Nunca vi um passarinho com problemas de diabetes ou um lagarto com bulimia. Mas se esses animais em seus ambientes naturais parecem sempre estar numa média ideal de saúde, tirando uma coisa ou outra, porquê o ser humano não? Logo a gente, que além de tudo ainda “pensa”? Pois é. Aparentemente nossa capacidade de pensar pode ter atrapalhado um pouco o rumo das coisas.
Na faculdade de Nutrição eu aprendi que a saúde é a ausência de doença. Sempre achei isso muito estranho. Pra mim isso sempre soou como dizer que ser feliz é não estar triste. Felicidade não é apenas não estar triste, é um sentimento muito mais amplo, e que embora seja difícil definir, todos sabem exatamente o que é quando sentem. Saúde idem.
Se formos estudar um pouco das filosofias e medicinas tradicionais, tirarmos o pó dos livros sobre Ayurveda, medicina chinesa, macrobiótica, antroposofia ou até mesmo se dermos uma boa olhada em boa parte dos tratados filosóficos e médicos que já foram escritos nesse mundão, vamos ver que o conceito de saúde abrange muito mais do que simplesmente não estar doente. Ok, não estar doente já é uma grande coisa, pois ninguém sai por aí saltitante se estiver com dor : mas e o entusiasmo, a vitalidade, o apetite, a força física e mental, a libido, a capacidade de se relacionar, a amorosidade, a boa digestão, a integração, o desejo, a capacidade de criar, construir e sonhar, o bom humor, o equilíbrio físico, mental e espiritual, onde ficam? Pra quem acha que saúde é só a ausência de doença, essas coisas não ficam em lugar nenhum. Só que a saúde mesmo é tudo isso aí em cima e mais um pouco.
O que nunca nos disseram é que fomos feitos para estar em um estado constante de saúde, bem estar e equilíbrio, sem dores nem remédios, desempenhando nossas funções físicas e mentais de maneira perfeita. Só que o que vemos por aí, dentro de nossas casas e andando pela rua, é bem diferente disso. Vivemos num estado constante de doença, de apatia ou de raiva, de desconexão, de dependência química e psicológica de artifícios que nos façam sentir mais felizes e mais humanos. E boa parte disso tudo passa pela maneira como construimos nossas sociedades, o que invariavelmente parra pela nossa boca. Nós somos o que comemos, e nos últimos tempos talvez tenhamos nos tornado exatamente como as comidas prontas, os fast food, as plantações regadas à agrotóxicos, os animais confinados e os industrializados cheios de aditivos presentes mesas modernas: nos tornamos desprovidos de autenticidade, artificiais, carregados ou dependentes de aditivos, carentes, doentes, fabricados, desequilibrados, angustiados. Sem falar que não comemos e nos alimentamos apenas de comida. Nos alimentamos e comemos sentimentos, ações, comportamentos, padrões.
E se você pudesse ter o poder, assim como acreditavam nossos ancestrais indígenas, que comiam animais ágeis para se tornarem também ágeis, de adquirir as características daquilo que comesse, o que você escolheria comer? Se você é o que você come, o que você comeria para se tornar a pessoa que quer ser? A notícia é que sempre tivemos esse super poder nas mãos. Mas o que fizemos com ele está estampado por aí. Nos tornamos como indivíduos e como sociedade aquilo que comemos. Literal e metaforicamente.