O termo “Orange Wine”
Ok. Vamos falar um pouco mais sobre vinho laranja.
( ó, tem um episódio no meu podcast só sobre isso, ouve aqui )
Primeira coisa: o termo laranja é meio infeliz, pois faz a gente lembrar da cor laranja. E no fundo, quando falamos em vinho laranja, ele pode até não ser laranja: ser amarelo, ser âmbar.
Foi o mercado londrino e americano que veio com esse nome, “orange wine”. Mas causa uma confusão enorme, tem gente que acha até que é vinho “feito” com laranja. E ok, tem, tem sim, no sul da Espanha tem vinho feito com laranjas, no sul do Brasil tem vinho feito com laranja.
Mas o tal do laranja da história na verdade são feitos de uva, os chamados “vinhos brancos de maceração com as cascas”. Ou seja, vinho branco feito com as cascas, e não só com o suco.
Quando os gringos deram o nome de “orange wines” era inclusive pra designar um tipo bem específico de vinho branco de maceração LONGA com as cascas – específico de certas regiões da Geórgia, que sim, geralmente são mais alaranjados.
( mas dependendo da uva mesmo nesse caso uma maceração muito longa não vai dar um vinho de cor laranja – por isso muito produtor prefere falar em vinho âmbar, ou vinho de maceração e pronto ).
Bom. Vinhos brancos de maceração eram normais no mundo inteiro até a “moderna” enologia, que por algum motivo começou a convencionar que vinho branco tinha que ser feito sem as cascas.
Aliás, se algum enólogo puder me esclarecer o MOTIVO dessa curva na história, agradeço.
Fato é que vinho branco transparente esverdeado feito em larga escala sem maceração só é possível… com aditivos enológicos, como conservantes, estabilizantes, etc. e etc.
Ou seja, por algum motivo se começou a gostar de vinho branco clarinho, feito só com o suco e sem as cascas ( que dão cor, tanino ) – e chegou um ponto que esse estilo só conseguiu ser sustentado pelo suporte industrial, com seus aditivos e técnicas mirabolantes.
Doido. Daí vieram aquelas atrocidades tipo os Pinot Grigio com sabor e cor de água, sendo que ela é uma uva rosada/acizentada, e quando macerada dá um rosado/laranja delicioso.
Muita coisa é moda, gente, até no vinho.
Sim, tudo é moda e tendência, até no mundo do vinho. Pelo menos na maior parte do que conhecemos como mundo do vinho, ainda ditado pelas leis convencionais de modos de produção e consumo.
Com o movimento dos vinhos naturais a galera começou a voltar os olhos para métodos ancestrais, elaborações e castas tradicionais, regionais, e imaginem só, as ânforas e as macerações com as cascas nos vinhos brancos reapareceram dentro desse microcosmo dos vinhateiros rebeldes e naturais.
Mas isso já faz quarenta anos, gente. O movimento começou na década de 80, e hoje o que aconteceu? Tem um monte de vinho convencional e industrial “laranja”, “de ânfora”, assim como os não filtrados, fermentados de maneira espontânea, sem so2 e etc.
( nada disso designa vinho natural, mas isso eu já falei bastante em outras ocasiões )
De qualquer maneira, vamos lembrar lá da Geórgia, povo que faz vinho a mais de 8000 anos e tem muito pra ensinar pra gente.
É mais fácil fazer vinho com as cascas, macerado, do que sem as cascas. O mosto é delicado, oxida facilmente, sem a “estrutura” de certos componentes na casca a chance do vinho “ir prum caminho errado”, sem aditivos enológicos, é maior.
Ouvi muito la na Geórgia que as cascas que ficam em contato, mais ou menos tempo, acabam sendo a proteção natural desse mosto … recém nascido. As cascas tem substâncias que vão conservar o vinho durante a fermentação, sem riscos de contaminações, oxidações, alterações no percurso.
Indo mais a fundo, a casca faz parte da uva. Separar as partes da fruta, do todo, acaba sendo agressivo. Você já arrancou a fruta do pé, ela já está desestabilizada. Essa concepção de unidade e de todo, dentro até da produção de vinho, diz muito de como passamos de uma visão integrada para uma visão fragmentada de vida.
As cascas e aquela camada de casca e levedura que se forma na fermentação e maceração também são chamadas de “mães”, pelos georgianos, e reza a lenda que os vinhos devem ficar com a mães ( macerando com as cascas ) até que eles se tornem fortes e independentes, para poder então seguir sozinhos na vida.
É. Outra maneira de viver o vinho.