Vinhos

Os vinhos tônicos

A adição de ervas medicinais, mel, cascas de árvore e substâncias diversas acompanha a história do vinho desde o início, e os vinhos tônicos estão presentes nas mais diversas culturas. Chamamos vinho tônico a mistura de vinho com ervas medicinais e outros elementos minerais ou animais, com propósitos de cura. 

Os fermentados de frutas, em especial o de uva, sempre foram consideradas uma medicina por si só. Existe uma longa tradição médica e religiosa em torno do vinho. Os faraós egípcios já usavam o vinho como medicamento, assim como os gregos e romanos. A Índia Védica também desenvolveu uma tradição extensa de elixires e vinhos macerados com ervas, sendo “vinho” qualquer fermentado de frutas como uvas, tâmaras, ervas, açúcares em geral e até mesmo grãos como arroz e cevada. Mardvika era o preparado alcoólico feito a partir de uvas, indicado como laxativo, para problemas no coração, aumentando as energias de fogo e de ar no organismo. Já os Arishta eram fermentados alcoólicos de decocções de plantas e outras substâncias, promovendo os benefícios e efeitos de cada substância em específica, curando de febres à tumores. Sidhu era o vinho de cana de açúcar ( vamos lembrar que a cana é nativa da Índia ), e aumentava os elementos de fogo e ar no corpo, ajudando nos casos de obesidade e distensão abdominal. 

Embora popularmente a Geórgia seja o berço de nascimento do vinho, por conta da descoberta de fragmentos de ânforas com resquícios de uva fermentada datando entre 8000 e 10000 anos, hoje já se sabe que no mesmo período – ou antes do Neolítico –  os chineses já fermentavam frutas, arroz, uvas e misturavam esses fermentados com ervas, pedras e animais para suas medicinas. 

O livro Matéria Medica é um compêndio de medicina chinesa milenar e versões modernas podem ser encontradas até hoje: lá encontramos diversos vinhos tônicos misturados com ervas, com minerais e até mesmo órgãos de animais, destinados a uma infinidade de fins curativos da alma, espirito e corpo. Um vinho abortivo levava fígado de lagarto e pele de cigarra, a ser esfregado diretamente no umbigo. Vinho misturado com pedaços de carne de uma víbora, enterrado sob a baia de um cavalo por um ano era a cura para apoplexia, fístula, dor de estômago, dor no coração, cólicas, hemorróidas, vermes, flatulência e sangramento dos intestinos. Alcoolismo, de acordo com o mesmo receituário, podia ser curado com placenta de burro misturada com vinho. Malária, com o fígado de um gato preto macerado em vinho, enquanto que para um forte resfriado, vinho tinto era macerado com uma coruja inteira que foi sufocada até a morte, depois depenada, cozida e carbonizada. Qualquer semelhança com a bruxaria do nosso imaginário não é mera coincidência: boa parte das medicinas antigas utilizava o conhecimento oculto e natural, a consciência do campo sutil e da energia dos elementos que influenciavam a doença ou a cura na elaboração das medicinas. Os caldeirões das bruxas medievais, com patas de aranha e punhados de flores coletadas na madrugada, nada mais eram do que preparados medicinais de uma tradição humana de milênios. 

O mais antigo manual médico conhecido é a farmacopéia Suméria, escrita em uma tabuleta de argila datada de aproximadamente 2200 aC., e ela já recomenda o uso do vinho como tratamento de doenças. Isso faz do vinho, provavelmente o medicamento documentado mais antigo da humanidade. Vinho misturado com mel, nessa tabuleta, era usado para tratar a tosse. Na Babilônia se receitava o Tabatu, uma bebida medicinal feito a partir da mistura água…  e vinho. 

Hipócrates (460-377 aC), um dos principais médicos do mundo antigo, é reconhecido como o pai da medicina ocidental moderna. Ele escreveu extensivamente sobre o uso do vinho na cura de feridas, como uma bebida dietética nutritiva, como cura para resfriamento, para febres, como purgativo e diurético. Ele fez distinções entre os vários tipos de vinho, descreveu seus diferentes efeitos, direcionou seus usos para condições específicas, aconselhando quando deviam ser diluídos com água ou não, e até mesmo quando o vinho deveria ser evitado. 

Séculos mais tarde, na Idade Média, período em que as medicinas já haviam se transformado em bebidas alcoólicas, era bebido em todas as mesas o “hipocras”, vinho composto de ervas e mel. Durante a época das grandes navegações, especiarias do Oriente também foram adicionadas, como cravo, canela, gengibre. Entre Hipócrates e os banquetes medievais, o vinho infusionado com ervas também fez a alegria dos médicos romanos, que acrescentaram na receita de Hipócrates ervas mediterrâneas como o tomilho, o alecrim e o tomilho e a murta. 

Na Idade Média, os monges administravam hospitais dentro dos mosteiros e faziam remédios com o vinho que produziam. Aliás, foi dentro dos mosteiros que a técnica da destilação alquímica começou a ser empregada, e Paracelso, pai da farmácia moderna, fez a ponte entre esses dois mundos, utilizando técnicas alquímicas na produção de medicamentos, dando origem não só à medicina moderna como à farmacêutica moderna. 

Ainda nas misturas de vinhos com elementos do mundo animal, na Grã Bretanha do século 19 eram comuns os vinhos tônicos macerados com ervas e pedaços de carnes ou ossos, receitados como nutritivos e restauradores para energia, ânimo e anemia. Em 1863, na Itália ficou famoso o Vin Mariani, um “avô” da Coca Cola, elaborado com vinho e folhas de coca trazidas do Peru pelo farmacêutico Angelo Mariani. Prometia curar tudo. 

Receitas simples para aumentar a vitalidade, relaxar ou melhorar a digestão podem ser feitas em casa, misturando em uma garrafa ou um recipiente com torneira vinho, ervas e outros compostos medicinais, como mel, frutas, cascas e folhas. A proporção utilizada pode ser de 100g de extrato ser para 1 litro de vinho, ou 200g de extrato fresco para 1l de vinho. Plantas secas são mais concentradas do que as plantas frescas. A infusão deve ficar macerando por no mínimo 1 mês, e a dose recomendada, embora varie de pessoa para pessoa e de fim para fim, pode ser a de uma taça pequena por dia, antes da refeição, cerca de 60 ou 70ml. 

Receita do vinho tônico de Hipócrates. 

1 litro de vinho grego de Cos, 50g de menta fresca, 50g de artemísia fresca, macerado por 1 mês, depois filtrado e engarrafado. 

Outras receitas: 

Vinho tônico digestivo: vinho tinto ou branco macerado com carqueja amarga, boldo, hortelã pimenta, tomilho, quina. 

Vinho tônico para resfriados: vinho tinto macerado com gengibre, alecrim, eucalipto, guaco, agrião, tomilho, hortelã, mel e própolis. 

Vinho tônico calmante: vinho branco macerado com macela, valeriana, mulungu, camomila, mastruz, menta, lúpulo e lavanda. 

Vinho tônico revigorante do corpo e da mente: vinho tinto macerado com alecrim e ginseng

20/4/2023
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