Comida, Sustentabilidade, Divagações

Leite

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A gente consome leite faz muito tempo – e embora não se saiba exatamente o que fez o primeiro humano achar super legal tomar leite o de outro bicho, o lance pegou. Fome, associação direta ou famoso ócio criativo ancestral. Os Sumérios, em 3000AC já consumiam. A cultura Védica, na Índia, também já consumia, e alguns derivados como manteiga clarificada são importantíssimos na cultura indiana – embora nem sempre se tenha feito com leite de vaca. Falando em vaca, a questão é que nem as vacas eram iguais, muito menos o consumo de leite. Mesma história de sempre: do trigo, da farinha, das gorduras, das frutas, do açúcar, blábláblá. Consumia-se pouco leite e, além de tudo, em forma de derivados como fermentados, manteiga ou queijo. Afinal, leite é um alimento perecível. Portanto, estraga – e sem refrigeração, bem facilmente. Toda a cultura de transformar leite em queijos, manteiga ou produtos fermentados vem dessa necessidade de conservação. Pouco se consumia de leite “fresco” antes da invenção dos refrigeradores: afinal, se você não tinha uma vaca ou cabra em casa, a chance de você tomar um leite azedo era muito grande – a não ser que ele fosse transformado em outros produtos: os famosos “derivados” do leite. Com a chegada dos refrigeradores e mais adiante, da pasteurização e homogeinização do leite puro, o produto se popularizou e seu consumo aumentou.

Os EUA foram importantíssimos na propaganda do leite como um alimento saudável e rico em cálcio – parte dela por conta de interesses da crescente indústria leiteira do país. Em resumo, antes do século XX as pessoas consumiam leite moderadamente, de animais criados em seus ambientes naturais, a maior parte dele transformado em derivados como queijos, manteiga ou outros fermentados. Hoje em dia, consumimos quantidades enormes de leite “puro”, sem passar por processos fermentativos, e por conta da industrialização do produto, infelizmente o que conhecemos como leite hoje nada mais tem a ver com o leite de verdade, que sai do bicho. Deixamos de consumir um produto que era submetido a processos que facilitavam a digestão e assimilação pelo nosso organismo para consumir esse mesmo produto em sua forma “pura”, que por si só pode ser bastante indigesta e alérgena. Para piorar a situação, a maioria massiva do leite “puro” consumido hoje é industrializado, que além de já ser indigesto e alérgeno por si só, é superprocessado, cheio de aditivos sintéticos e proveniente de uma indústria  baseada em maus tratos animais e práticas sanitárias que destróem todo e qualquer benefício nutricional mais genuíno do alimento.

Vamos voltar ao princípio. Quando o leite ainda era leite, e não um produto industrializado. Ok. Humanos são mamíferos. Bebemos leite, literalmente, desde que nascemos. O leite materno representa nutrição, aconchego, afeto, além de ser importantíssimo para a construção da imunidade do recém nascido. O leite materno é o alimento “desenvolvido”para ser completo e é perfeito para os filhotes de humano que vem ao mundo. Assim como o leite de vaca é feito para ser completo e perfeito para os filhotes de vaca, o leite de cabra para os filhotes de cabra, e por aí vai, passando por toda a lista dos que mamam no mundo. Só que não é porque tudo é “leite”, que é tudo igual. E não é porque tudo é leite e tudo é mamífero, que o leite de um vai ser bom para o filhote – ou o adulto – da outra espécie. Na verdade, leite nenhum vai ser tão benéfico para outra espécie do que para seus próprios filhotes – e dependendo da espécie, esse leite pode até ser bastante indigesto para a outra – como o próprio leite de vaca, que por incrível que pareça, desafiando o mainstream da informação vigente, não é lá das melhores escolhas na substituição do leite ou na nutrição humana, sejam crianças ou adultos. Parece óbvio que leite de um pode não servir para outro, mas décadas de lavagem cerebral, interesses comerciais e propaganda fizeram com que a gente se esquecesse disso. Muito mais hoje em dia que leite não é mais leite, e sim, um produto industrializado. Mas vamos por partes.

A gente consome leite e derivados faz muito tempo? Sim. Só que muito além da questão da conservação e armazenamento de leite fresco, o que esse pessoal fez durante todo esse tempo foi transformar o leite cru ( que não é dos melhores alimentos pra gente digerir ) em manteigas, queijos, fermentados diversos, pois  além disso conservar o leite – embora em forma diferente – por mais tempo, eles tem estruturas diferentes do leite em sua forma fresca, muito mais assimiláveis pelo nosso organismo. O leite fresco, principalmente o de vaca, por si só não é compatível com a maioria da digestão dos seres humanos, principalmente adultos, que perdem a capacidade de digerir completamente o leite depois que passam da idade de amamentação. Depois dos primeiros anos a gente deixa de produzir progressivamente parte das enzimas que vão digerir o leite materno ( lactases, que digerem a lactose, açúcar presente no leite ) por isso que a maioria dos adultos tem algum tipo de desconforto ou mesmo intolerância. Mas como assim, então a gente não foi feito pra tomar leite? Bom, em parte, sim. A gente foi feito pra tomar o leite da nossa mãe, e pronto. Depois disso não há necessidade nenhuma, biologicamente, de colocar leite pra baixo da goela. Muito mais leite de outra espécie. Alto lá. Obviamente que se fossemos pensar assim, parte da história da gastronomia não existiria, então não sejamos tão radicais. Mesmo porque algumas das coisas mais geniais que os humanos souberam fazer durante toda a história da alimentação foi justamente “transformar” alimentos que não são bem digeridos para que pudéssemos comê-los sem culpa, ou pelo menos, sem muitos riscos pro corpitcho: cozinhar alimentos crus para assimilar melhor os nutrientes, demolhar e fermentar grãos para tornar-los mais digestos e eliminar antinutrientes, e por aí vai.

24/1/2018
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