Sustentabilidade, Divagações

Precisamos mesmo fermentar tudo?

Imagina, a gente voltando da Dinamarca e todo mundo perguntando sobre as fermentações. Olha. Digo uma coisa: fermentar é bom, todo mundo gosta, mas convenhamos, temos que ter um certo bom senso. Antes de sairmos importando tendências gastronomia à torto e à direito, é sempre bom lembrar que estamos num país tropical, e como já dizia Pelo Vaz, onde tudo cresce e floresce. 

Num país onde temos as estações do ano todas em um dia só, uma infinidade de produtos frescos das mais diversas regiões e frutas que caem na nossa cabeça, dado à abundância de fertilidade e biodiversidade … será que faz tanto sentido assim ficar pirando em fermentar e conservar as coisas? Tem dia que rodo menu de restaurante em Sampa e parece que estou em qualquer lugar do mundo, menos no Brasil. 

Olha lá quem está dizendo isso, eu que fermento até o meu próprio dedo do pé, se deixar. A questão é que, não importa se você vai conservar, fazer molho, picles, compota doce ….. tem que rolar um mínimo de pensamento em cima do assunto. Não adianta saber fazer chucrute se você não liga a mínima para mandioca pubada, ou pro o polvilho azedo, pro aluá, ou pras nossas tradições de salga e cura  – pelo menos ao meu ver. 

Importar conceitos é muito fácil. Complicado é ver o que deles a gente consegue aproveitar, digerir e tirar lá do fundo do poço nossas próprias tradições alimentares e culturais. Tendências deveriam ser isso: um anzol de idéias, não um copia e cola. 

Docinhos saudáveis de castanhas, cacau, tâmaras, frutas secas, óleo de coco. Todo mundo gosta. Mas será mesmo que se entupir de gordura e energia num calor de 40 graus faz esse sentido todo? Ou mais uma vez a gente está trazendo um conceito de alimentação saudável sem refletir sobre o assunto?

Eu vou continuar fermentando meus quiabos, meus repolhos, minhas pimentas. Até porque hoje em dia as fermentações e conservas não servem apenas para sobrevivência em lugares onde se vive 6 meses debaixo do gelo, e a única maneira de comer é se alimentando do que se conservou. Ou então, em lugares sem resfriamento onde precisamos conservar os produtos para eles se manterem frescos. Ou em situações de excesso de safras. 

As fermentações e conservas hoje em dia tem um valor muito mais curativo e educacional: curativo no sentido de inserir probióticos numa dieta ocidental pra lá de errada, pois conseguimos destruir nossa flora intestinal em menos de um século, e educativa no sentido de lembrar às pessoas que não devemos desperdiçar os alimentos e devemos preservar nossos saberes alimentares. 

Eu mesma tenho uma bisavó que veio lá do Leste Europeu, judia, e provavelmente comia um monte de fermentados na dieta. Brasil não é o estereótipo de cozinha brasileira que a gente mesmo vende. É um poço de mesclas infindáveis. Vivemos em um país que não exclui antepassados de nenhuma cultura, o que nos dá uma liberdade de ação e de integração alimentar muito grande quando começamos a ir mais a fundo no caso. 

Mas raramente vejo alguém interessado em pesquisar nossos próprios processos ancestrais de alimentação, ou refletir o que, dentro das tendências mundiais, nos faz pensar e olhar para o próprio umbigo. 

Comer uma trufa de castanhas e frutas secas é gostoso sim. Comer um picles bem feito é gostoso sim. Mas vale a pena a reflexão do que faz sentido pra gente, no lugar onde estamos, com nossas próprias demandas corporais e culturais. 

11/9/2019
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