Vinhos laranjas, vinhos âmbar, brancos de maceração.
Texto escrito na minha última viagem à Geórgia, terra dos laranjas e das ânforas.
Vamos então falar um pouco sobre esse tal do vinho laranja: ele existe faz milênios, não necessariamente tem cor laranja, é um híbrido entre o que conhecemos de tintos e brancos, os hipsters acham que uhuu, é novidade ( mas não ), e por incrível que pareça muita gente ainda não sabe o que são.
Tem muita confusão e muita besteira sendo dita sobre esses vinhos. Confesso que até eu mesma já me confundi muitas vezes com muitas coisa. Então vamos tentar facilitar as coisas.
Algumas verdades sobre eles:
✔️eles pode ter coloração laranja, mas não é obrigatório.
✔️ voltaram à moda por conta da tendência mundial da “volta aos métodos ancestrais de elaboração de alimentos”, que permeia todo o movimento do orgânico, estilo de vida menos industrializado e do vinho natural.
✔️eles tem cor de branco ( bom, maomeno, vai ) mas alma de tinto, pois os taninos e outras substâncias presentes nas cascas o fazem flutuar entre esses dois mundos.
✔️são vinhos pra lá de versáteis, pois vão do aperitivo à sobremesa, acompanhando praticamente tudo, por ter uma gama de aromas, sabores e profundidade extremamente extensas
✔️são imediatamente associados ao vinho georgiano pois aqui é o berço a cultura do vinho, e esse método é um dos métodos ancestrais de vinificação
✔️são associados aos vinhos naturais pois sim, o movimento do vinho natural trouxe de volta ao “mundo” essa idéia de fazer vinhos com métodos “ancestrais”, em ânforas e macerados com cascas.
Mas vamos falar mais a fundo.
La-ran-ja. O termo já começa confundindo muita gente, pois diz respeito à cor: orange Wine. Mas esse foi um nome dado pelo mercado americano e inglês aos vinhos de maceração prolongada com as cascas, elaborados faz séculos aqui na Geórgia e em várias outras partes do mundo.
Pera lá. Mas então “vinho laranja” não se refere à cor, mas sim ao método de vinificação dos vinhos? Siiiiiiiiiim. Chamar de vinho “laranja” é uma maneira fácil, marketeira e até meio superficial, pois mais confunde do que ajuda o pobre bebedor desavisado, que vê qualquer vinho de cor alaranjada e pensa que é vinho laranja.
Há quem prefira chamar de vinho “âmbar”, por isso mesmo, ou “vinho branco macerado”, “vinho branco de macerado longa”, “vinho branco macerado com as cascas”.
Agora imagine a confusão, mesmo. O vinho branco quando oxida fica alaranjado. O vinho branco quando amadurece muito tempo em garrafa, idem. Jerezes, vin jaunes, brancos envelhecidos, tem uma cacetada de vinho de cor alaranjada. E nenhum deles tem maceração prolongada com as cascas, então não são “vinhos laranja” de fato. Aliás, até âmbar confunde bastante, pra dizer a verdade, pois também tem a referência da cores
Mas vamos tentar facilitar as coisas, e então chamar de vinho âmbar. Tinto, branco, rosado, âmbar. Ou apenas vinho branco macerado com as cascas – que é o termo que mais gosto, longo, porém bastante auto-explicativo.
Lá na Geórgia ( e em muitos lugares que preservaram tradições de vinificação similares ) ninguém chamava os vinhos de laranja, âmbar ou macerados. A maceração na ânfora é tão corrente que pra eles era apenas a maneira “normal” de fazer vinho.
Em tempo: macerar significa deixar em contato parte líquida ( polpa ) com parte sólida ( cascas ). A maceração é a grande responsável por deixar o vinho “colorido”, seja ele tinto ou âmbar, pois 99% as uvas são brancas por dentro e coloridas por fora – com exceção das chamadas tintureiras, de polpa escura – e por isso mesmo é esse processo o culpado pela coloração, além de transmitir alguns componentes da casca que influenciarão no aroma, sabor, textura e conservação do vinho. Geralmente, quanto mais tempo macerado, mais “extração” e mais colorido. Mas temperatura, tipo das uvas, processos, safra, vai tudo interferir nisso.
Vinho tinto, como devem já imaginar, é um vinho macerado com as cascas – macerado mais ou menos, dependendo do que o produtor quer. Vinho branco não: as uvas são prensadas antes e apenas o líquido é fermentado ( o que pode deixar o processo bem mais “fragil” à oxidações e contaminações de outros microorganismos, pois nas cascas encontramos componentes essenciais para conservação dessa fermentação em bom estado. Por isso mesmo que se adicionam na indústria tantos aditivos enológicos no vinho branco, nessa hora, para que ele se conserve sem oxidar e ‘estavel’ durante todo o processo ).
Aqui na Geórgia, o vinho branco macerado com as cascas por longos períodos, feito em ânforas – aqueles mais conhecidos mesmo, super estruturados, coloração intensa, às vezes duros se não passarem por amadurecimento bem longo depois da maceração – são apenas um dos estilos de vinhos que existem. Sim, o que chega no “mundo do vinho” como sinônimo de vinho georgiano é apenas um dos estilos que existem por aqui.
Muita gente associa vinho georgiano à esses macerados porradão. Mas não necessariamente. Existem mais de 500 variedades de uva, inúmeras regiões, climas e costumes alimentares diversos nesse país, e embora sejam todos fe no método tradicional de ânforas enterradas na terra, existe uma profusão de brancos sem macerar, brancos macerados pouco tempo, tintos, mais ou menos macerados.
Obviamente que o estilo de vinho branco macerado com as cascas em ânforas, por períodos enormes, é um dos mais conhecidos pois remete à uma maneira “ancestral” de vinificação. Macerar o vinho com as cascas, além de ser o logicamente óbvio e fácil ( imagine você colhendo as uvas e fazendo com as próprias mãos, é só esmagar e colocar num potão grande embaixo da terra ) é uma maneira de preservar esse mosto naturalmente. As cascas ajudam o mosto a não oxidar ou avinagrar durante o período de fermentação, e ainda aporta um monte de componentes, como os taninos, por exemplo, que são conservantes naturais, ajudando o vinho a se manter saudável por um longo tempo.
Então claro que, para a maior parte dos agricultores, que faziam o vinho apenas como mais um componente da dieta ( além de animais, derivados do leite, vegetais, fermentados, pães e farinhas… ), macerar por longos períodos era o mais cômodo.
Hoje em dia a facilidade e a tradição virou um estilo – então não devemos generalizar achando que todos os vinhos georgianos ou todos os vinhos âmbar tem que ser aquela porrada de cor e tanino. Entendam : eu amo, e geralmente são esses que escolho. Mas existe uma gama gigantesca entre não macerar, macerar pouco, macerar mais ou menos e macerar por períodos longos. E cada qual tem seu lugar na mesa.