A agricultura convencional.
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Agricultura ‘convencional’.
“A linearidade fragmentada do saber dominante rompe as integrações entre os sistemas. (…) Desse modo, o saber científico dominante cria uma monocultura mental ao fazer desaparecer o espaço das alternativas locais, de forma muito semelhante à das monoculturas de variedades de plantas importadas, que leva à substituição e destruição da diversidade local ”Vandana Shiva, Monoculturas da Mente.
Até mesmo por ignorarmos – ou querermos ignorar, na maioria das vezes – todas as relações importantíssimas entre a vida no solo, as plantas e a agricultura ( sem falar no produto final que vai direto pro nosso estômago ) acabamos destruindo nossas terras cultiváveis. Isso, aliado ao progresso, com seus benefícios ambíguos, e um sistema social baseado em produtividade e lucros. Monoculturas em escalas napoleônicas, invenção e utilização em massa de fertilizantes sintéticos, o surgimento de insumos químicos agrícolas ( os famosos agrotóxicos ) …. acabaram fazendo com que o “normal” em uma plantação – leia-se aqui também um vinhedo – fosse um solo sem vida. Pois você pode forjar a saúde de uma plantação artificialmente, da mesma forma que você pode forjar a saúde de uma pessoa artificialmente.
“Apenas 30% dos alimentos consumidos no planeta vem de fazendas industriais que cultivam em larga escala. Cerca de 70% de todos os alimentos consumidos pela humanidade vem de pequenos produtores, que possuem menos de um quarto de toda a área cultivável do planeta. Mais de três quartos de cultivo são destinadas às fazendas industriais.”Hungry for land: small farmers feeds the words with less than a quarter of all farmland” ; Grain, 28 de Maio de 2014
A agricultura convencional é aquela que a nossa geração e a geração de nossos pais considera a “normal”, e está em uso mundialmente a mais de meio século. Mais especificamente depois das duas grandes guerras mundiais, baseada em fertilizantes químicos e agrotóxicos, para safras grandes, produtivas e “confiáveis”. O termo agronomia vem de agros – campo – e nomos – lei. É a lei do campo, para o bom e para o mau sentido.
O século XX transformou e modificou nossa alimentação, nosso estilo de vida, nossa saúde, nossas relações e nosso modo de ver as coisas. Felizmente a gente já sabe que tomamos o caminho errado e estamos agora tentando consertar.
Uma maior facilidade no manejo agrícola é uma das principais causas da adesão à um sistema convencional. O trabalho manual – muita gente se esquece que vinho é agricultura, ou seja, é mão na terra, roupa suja e trabalho braçal debaixo de sol e de chuva – se torna menor, uma vez que existe a intervenção de químicos no plantio. Já ouvi de muita gente que, como os filhos foram para a cidade e as pessoas do campo foram envelhecendo, uma alternativa mais “fácil” de continuar cultivando sem esforços físicos era partir para a agricultura convencional. Uma aplicação de herbicida faz o trabalho de dias no campo. é fato.
Ah sim. Quando falamos de produtos químicos, temos que ter em mente que estamos falando de produtos químicos sintéticos, ou seja, fabricados artificialmente. Outras substâncias usadas na viticultura e agricultura em geral, embora estejam presentes na tabela periódica, são substâncias naturais ( como o cobre e o enxofre ) – e mesmo essas, dependendo da quantidade, podem ser bastante nocivas.
Desde que o homem teve a ideia genial de plantar e desenvolver o que chamamos hoje de
agricultura, existem as pestes. Para cada coisa no mundo existe uma peste ou um predador. E se existem pestes, existem maneiras de combatê-las. Sim, é isso mesmo que vocês estão pensando: os pesticidas existem a muito mais tempo que a indústria agro química. E por mais que nosso pensamento romântico queira achar o contrário, não são todos os produtos antes dessa época que eram saudáveis ou tão confiáveis assim.
Substâncias químicas naturais como cobre, arsênico, mercúrio, enxofre, sulfato de nicotina deram origem a inúmeros pesticidas durante a história. O enxofre, mesmo, é utilizado a mais de 2000 anos. Mas muitos desses pesticidas foram considerados também danosos, alguns até cancerígenos.
Só no século XIX, por exemplo, além da conhecida e temida filoxera ( que a enxertia com videiras americanas deu um jeito ) outras duas grandes dores de cabeça apareceram para os vinhateiros: o oídio e o míldio. Alguns dos compostos químicos naturais como enxofre e a calda bordalesa ( que tem cobre na sua formulação ) foram amplamente utilizadas para tratar as duas doenças, que são, até hoje, dois dos grandes e principais problemas dos vinhateiros pelo mundo.
Depois do surgimento dos agroquímicos, outros compostos sintéticos foram adicionados aos tratamentos já tradicionais.
Ainda no desenvolvimento do que conhecemos hoje como cultura convencional, ervas daninhas e outras plantinhas inconvenientes ao plantio podiam ser eliminadas com herbicidas. Por causa dos intensos estudos de armas químicas durante a guerra, por um lado, e da crescente necessidade de eliminar as peste, cada vez mais recorrentes por causa das plantações cada vez maiores e mais pobres – essas pestes e doenças começaram a ser tratadas com produtos químicos sintéticos. Estava aberto o início da era dos agroquímicos.
A partir de então, é o que a gente sabe: entrou em um círculo vicioso gigantesco. As pragas ficam resistentes aos produtos químicos, se fazem produtos diferentes e mais fortes, novas
pragas surgem, etc, etc. Sem ervas ou vegetação, o solo começa a ficar sem vida microbiológica, compacto e pobre.
“A agricultura industrial é baseada no conceito da guerra: literalmente, se usam os mesmos químicos que se usaram antigamente para exterminar pessoas, agora para exterminar a natureza. É baseada na percepção de que cada inseto e cada planta é um inimigo em potencial que deve ser exterminado com venenos, buscando sempre meios ainda mais violentos de aniquilação: pesticidas, herbicidas, plantas geneticamente modificadas para suportar pesticidas. Enquanto a tecnologia agrícola violenta cresce, o conhecimento dos ecossistemas e a biodiversidade diminuem.”Vandana Shiva
Começando pelo começo, as uvas de um vinhedo convencional são trabalhadas com produtos sintéticos: fertilizantes químicos, pesticidas, etc, etc. Daí já entramos numa discussão enorme: deixa resíduo, não deixa resíduo? Vai fazer mal? Quanto mal? Os estudos são “inconclusivos” – um monte de estudo diz que faz um mal do cão, um monte de estudo diz que são seguros – tem gente que demoniza e gente que idolatra, tem gente que diz que os estudos que alegam segurança são vinculados às grandes empresas de agroquímicos e que a maioria é feita sem uma base verdadeiramente confiável. Fácil começar a pirar em várias teorias conspirativas. Já fui em inúmeros congressos e palestras onde médicos afirmam de pé junto que o mal causado pelos agrotóxicos é muito maior do que imaginamos – os males causados aos aplicadores, à gente que vive perto das plantações, e às pessoas que consomem os produtos – e a água – com resíduos de veneno. Existem estudos que já comprovaram que alguns vinhos convencionais, na França, tem 300 vezes a mais resíduos de veneno do que a própria água potável – que já trabalha com uma boa margem de resíduos.
Pensando que os agrotóxicos surgiram, na sua maior parte, de pesquisas de armas químicas feitas para guerras, que eram usadas em maior
proporção para matar pessoas, e depois em outras formulações foram usadas para matar plantas ou peste, isso já para mim, na minha ignorância científica, apelo suficiente preferir os produtos cultivados sem pesticidas. Mas tenho que dar a mão à palmatória, e não devemos generalizar. Nem todo mundo que usa ou usou um pesticida na vida é do mal, e nem todo mundo que não usa é do bem.
Mas voltado ao tema, o mundo dos agrotóxicos é bem maior do que a gente imagina: existe uma gama enorme: produtos mais pesados, como os sistêmicos, que ficam circulando pela planta como se um remédio ficasse circulando na nossa corrente sanguínea, e produtos mais leves, como os de contato. Produtos com diferentes carências e usos. Produtos que ao longo dos anos foram proibidos, outros que foram aprovados.
Entre a década de 90 e a primeira década do século XXI houve uma grande “limpa” no mercado. Muita coisa que era usada na agricultura foi proibida desde então. Por exemplo, o famoso inseticida DDT. Quem não lembra? Pois é, tão famoso, tão usado, dispersado por caminhões nas ruas como medida de saúde pública….. foi proibido por causa da sua toxicidade. Sua alta toxicidade.
O problema é que, como as legislações de cada país são diferentes, alguns probleminhas acabam surgindo quando colocamos agrotóxicos + legislações + indústria + comércio no mesmo balaio de gatos: em meados de 2008, por exemplo, quando o Brasil alcançou o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo ( belo prêmio, né Brazilzão? ) , saindo na frente até dos Estados Unidos – muitos dos produtos proibidos no resto do mundo foram parar onde? Sim, em solo brazuca.
Até hoje muitos dos produtos proibidos em certos mercados, rotulados como altamente tóxicos, são comercializados no Brasil. E pra piorar a situação, grande parte de nossa produção apresenta práticas irregulares de utilização desses agrotóxicos.
“O paradigma dominante é o industrial, mecanizado, que levou nosso sistema agrícola e alimentar ao colapso: se vê o homem separado da natureza, e cada parte da natureza separada da outra. A semente separada do solo, o solo separado da planta, a planta separada da comida, a comida separada de nós” Vandana Shiva
Bom, na melhor das hipóteses, quando a aplicação dos produtos é feita da maneira correta, os produtos usados são legalizados e testados, não há abusos de aplicação, as pessoas tem consciência e as carências são respeitadas, o risco de resíduos nas frutas teoricamente é pequeno. Só que no mundo real essas coisas raramente acontecem, e o que vemos, principalmente nas pequenas e médias propriedades, é um caos. E claro, tudo vai depender do tipo de produto químico aplicado.
O problema é que ninguém sabe ainda o que o acúmulo de resíduos de pesticidas, por menores que sejam, a exposição à eles, a ingestão e o contato a diversos tipos de agrotóxicos durante toda uma vida pode fazer conosco – mas há quem já ligue os pontinhos de doenças degenerativas e tumores aos altos consumos de produtos industrializados.
Para os trabalhadores agrícolas expostos aos agrotóxicos, os malefícios são bem mais visíveis: alergias, vômitos, deformações, doenças degenerativas, óbitos por intoxicação. Isso sem falar no que certos produtos químicos aplicados na agricultura fazem com o meio ambiente, destruindo a fauna, a flora, o solo e qualquer expectativa de biodiversidade ou equilíbrio. A quantidade de solos estéreis no mundo aumenta a cada dia por causa da agricultura extensiva. Solos lavados com excesso de fertilizantes sintéticos vão acabar levando para o mar e lagos uma quantidade de nitrogênio muito maior do que o necessário: desequilíbrios em lagos e oceanos já são inúmeros por conta de aumento de certas comunidades de algas, super desenvolvidas por conta de fertilizante escoado da agricultura convencional. Sem contar que esse mesmo fertilizante sintético teve que ser fabricado com consumo de reservas de petróleo – o que já são dois péssimos coelhos com uma cajadada só: poluição e consumo de reservas naturais.
Mais problemas de uma agricultura convencional? Por exemplo, para insetos, é usado inseticida – que mesmo em proporções baixas, pode matar não só os insetos “nocivos” à planta, como também borboletas, joaninhas, bichinhos que não tem nada a ver com o pato, e… abelhas. Pois é, e as abelhas fazem o quê? Polinizam as flores. Sem abelhas, não temos mais polinização. Sem polinização, ferrou. O verde do mundo morre e a gente morre junto. Muita coisa que comemos depende da polinização desses insetos simpáticos – veríamos pouco a pouco produtos desaparecer dos mercados, até não termos quase nada. Na verdade, o cenário é bem pior: estima-se que não sobreviveríamos 50 anos sem abelhas no mundo. E por causa de produtos químicos, as abelhas estão morrendo e ficando desnorteadas, o que já é uma preocupação mundial e desperta cada vez mais atenção para o problema. Inúmeros movimentos “pró- abelhas” crescem no planeta.
“Nas últimas três décadas, 75% das abelhas em certas regiões do mundo desapareceram por conta da utilização intensiva de agrotóxicos.” Colony Collapse Disorder Progress Report, US Departament of Agriculture, Junho de 2010.
Nem chegamos no ponto da questão social da agricultura convencional – principalmente das monoculturas em grande escala. Onde existe uma enorme monocultura, antigamente existiam comunidades tradicionais de pequenos agricultores – num pensamento simplista, mas absolutamente verdadeiro. E pra onde foi esse povo todo? Oras, pararam de produzir. E muita gente foi “empurrada” para as cidades por falta de ter o que e onde plantar. Mesmo os pequenos produtores que sobrevivem a isso, ainda tem que competir com os preços, estrutura e produções das grandes empresas – o que acaba sendo bastante injusto. Mas isso daria um outro capítulo inteiro.
“Uvas cultivadas de maneira orgânica tem 19% a 68^mais compostos benéficos para a saúde – antixoxidantes – em relação 1s uvas convencionais”. Universidade de Newcastle, Reino Unido, 2014
Ok, o vinho é uma categoria distinta de outros alimentos: não vamos morrer de fome se não bebermos vinho, portanto, a escala do problema é outra quando comparamos a agricultura convencional de alimentos e a agricultura convencional de uvas para vinho. Embora a agricultura convencional seja em si um problema ambiental estamos falando de uma outra realidade, menos impactante do que as grandes produções de milho, soja, algodão, etc. Mas é de grão em grão que a galinha enche o bico. E se achamos “ok” uma produção convencional de uvas, automaticamente estamos aprovando uma produção convencional de qualquer outra coisa. Minha discussão aqui também é conceitual.
Mas vamos a um outro ponto, menos assustador no quesito “meio ambiente”, mas bastante prático para os bebedores: um vinhedo tratado com produtos químicos não vai precisar desenvolver tanto suas defesas naturais. Afinal, as videiras são nutridas e “protegidas” o tempo inteiro com artifícios sintéticos. E qual é uma das defesas das plantas? Alguns compostos fenólicos que são conhecidos antioxidantes, famosos pelo tão famoso efeito benéfico na saúde. Uvas de vinhedos convencionais tem muito menos desses compostos que uvas orgânicas.
Já é provado por muita gente que os legumes e verduras lá na década de 40 ou 50 tinham o dobro ou o triplo de algumas substâncias comparadas com os de hoje. Isso foi resultado de uma seleção feita para que os vegetais crescessem mais bonitos, maiores e em maior velocidade – e isso acaba desvirtuando a complexidade nutricional dos alimentos. Quem já não ouviu de algum avô ou de alguma avó que a comida antigamente tinha mais sabor e alimentava mais? Pois é. Não é apenas nostalgia barata dos velhinhos – é uma realidade que muita gente ainda fecha os olhos e não quer acreditar. Nossos alimentos estão ficando cada vez menos saborosos e menos nutritivos.
Não podemos esquecer também que a agricultura industrial faz a biodiversidade, tão importante para nossa saúde e para a cultura alimentar, desapareça. Hoje em dia não consumimos nem 2% de todas as espécies alimentícias do mundo – e muito disso teve origem nos nossos modos de produção e consumo, que restringe a variedade alimentar à espécies comercialmente viáveis.
“No século XVIII, embora houvesse muito menos hortaliças disponíveis na Europa do que na atualidade ( todas as variedades exóticas e de origem colonial ainda não estavam disponíveis ) o número de espécies comumente consumidas era o triplo do de hoje. Isso sem mencionar os tempos mais antigos, antes do advento da agricultura, quando o homem literalmente consumia centenasdeespéciesvegetaisdiferentes.” Revolução das plantas, Stefano Mancuso.
Da mesma maneira, solos adubados somente com adubos sintéticos ( que tem uma quantidade limitada de elementos importantes para o solo, quando comparamos com uma fertilização natural ), vão aportar às culturas também menos elementos – ou seja, uma uva cultivada em solo mais limitado vai ter também elementos limitados. Uma uva cultivada em solo cheio de elementos diversos vai ser uma uva rica em vários elementos. Não é tão difícil de entender assim. E um vinho mais ou menos complexo vai depender também da complexidade da uva de que ele foi feito. Camadas de aromas e sabores naturais vem daí: da uva. E quanto mais coisa ela tiver pra oferecer, melhor será esse vinho.
E isso é só a ponta do iceberg, pois poderíamos falar sobre mais um milhão de pontos negativos de uma agricultura ou viticultura convencional, tanto para o meio ambiente quanto para o produto final.
O fertilizante químico.
O que o fertilizante químico tem a ver com o prêmio Nobel de Química de 1918? A resposta é: Fritz Haber.
Ele é o pai do nitrogênio sintético – presente na maioria dos fertilizantes químicos que usamos desde então. O nitrogênio é um componente essencial para a vida na terra, assim como o Carbono. Sem eles, praticamente, nada nasce ou se constrói: são os tijolos e a argamassa da vida.
Em 1920 e lá vai bolinha Steiner já dizia que os solos iriam morrer, e isso sem ter nem passado ainda pela segunda guerra mundial, toda a sintetização em massa de moléculas, conversão de material e tecnologia de guerra em agrotóxicos e a tal da ‘revolução verde’. Steiner com certeza era um daqueles visionários que antecipavam muitas coisas, mas na época ele chegou à essa conclusão apenas observando como funcionava o ciclo dos fertilizantes sintéticos.
Diferente do carbono, o nitrogênio não está disponível assim tão fácil no solo. Na verdade, ele está na forma de gás, no ar. É… tão perto e tão longe. E pra mandar ele pro solo, só explodindo um vulcão, caindo um raio ou um trovão ( daí o nitrogênio presente na atmosfera se fixa no solo ) ou então as bactérias fixadoras de nitrogênio tem que entrar em ação. Os ciclos naturais de vida e morte entram na dança da fertilização natural dos solos. O nitrogênio é fixado por bactérias, plantas utilizam o elemento, animais comem as plantas e elas voltam em forma de excremento – adubo – para fertilizar a terra; plantas crescem, morrem e se decompõe, devolvendo os nutrientes para o solo.
Ou seja, ou a natureza trabalha, ou a natureza trabalha. O “problema” é que raio não cai todo dia e pra você ter uma fixação de nitrogênio suficientemente grande para manter seu solo saudável, você deve ter vegetação de cobertura ( plantas diversas, flores, arbustos e principalmente leguminosas, cobrindo a superfície do solo ) no seu cultivo para haver a fixação desse nitrogênio através das bactérias que vivem nas raízes delas; ou então fazer cultivos rotativos para que o solo se recupere. Existem vários manejos agrícolas que visam uma regeneração do solo de maneiras naturais.
Mas em todos os casos, existe o fato limitante do tempo: o processo é natural, e segue as leis e tempo da natureza, não acompanhando o ritmo que a gente quer que ele tenha. Nós tentamos impor o ritmo frenético do homem ao ritmo natural das coisas – com isso desequilibrando os ciclos, ritmos e as relações entre as espécies.
Já nos anos 1900, a preocupação com os recursos da agricultura era grande: estimava-se que em algumas décadas o sistema agrícola iria colapsar, por não suprir a demanda mundial de alimentação ( uma vez que as plantações estavam crescendo, mas o “estoque” de nitrogênio, não. O retorno desse nitrogênio para o solo era mais lento do que o necessário para se plantar o que precisava).
Com a invenção de Fritz, de um dia pro outro, não era preciso mais “esperar” a natureza fixar nitrogênio no solo. Era só colocar ele ali, já ‘pronto para uso’.
Para se ter uma idéia da dimensão desse invenção, aproximadamente 2 em cada 5 pessoas não teriam nascido se não fosse a invenção do fertilizante sintético e a produção acelerada de alimentos que ele permitiu. Foi ele que deu o grande empurrão para a produção agrícola, que agora não dependia mais do ritmo da natureza, mas sim do ser humano – que podia dispor de nitrogênio à vontade para a agricultura. Foi com absoluta certeza a maior revolução agrícola da história e beneficiou muita gente durante muito tempo.
Não podemos negar que o fertilizante químico foi a grande mola propulsora para o ‘sucesso’ da agricultura do século XX; por outro lado, deu um empurrãozinho para a agricultura virar um caos de vez. Como sempre, o problema não é a coisa em si, mas sua utilização sem medida, em larga escala e sem bom senso.
Sem precisar esperar que o solo completasse seu ciclo naturalmente surgiu um novo “timing” no processo agrícola: o ritmo da natureza foi substituído pelo ritmo humano e industrial – ritmo esse que começou a ditar nossa vida e nossa maneira de cultivar as plantas. Sem a necessidade da espera, se plantava mais em menos tempo. Sem a necessidade de um ambiente biodiverso para uma boa e natural fertilização do solo, as monoculturas ganharam espaço: plantava-se mais e colhia-se mais em menos tempo, em campos cada vez maiores e com menor quantidade de espécies.
O problema é que, quando utilizamos muito fertilizante sintético, você não dá tempo para o solo se regenerar por completo, pois acaba dando um aporte de nutrientes muito aquém do que a planta precisaria. São muitos os nutrientes que uma planta precisa para ser saudável, e os fertilizantes sintéticos se limitam a alguns poucos. Ou seja, na sua maioria, as plantações acabam só retirando coisas do solo, e não devolvendo, ou devolvendo apenas uma pequena parte, de maneira artificial. Resultado: depois de um certo tempo, o solo morre de exaustão. O aumento de áreas desérticas no planeta por conta da agricultura industrial só aumenta. E mesmo em solos que não morreram por completo, pois sem nutrientes não há vida no solo, e sem vida no solo não há vida acima do solo…. O que vemos são inúmeras regiões de solos extremamente frágeis, empobrecidos, debilitados. E solos debilitados dão origem à plantas debilitadas. É como se nós nos alimentássemos a vida inteira com apenas 3 ingredientes – arroz, batata, água. Você sobrevive, mas ao longo do tempo vai desenvolver uma série de deficiências nutricionais, que podem se tornar doenças; e essas doenças serão tratadas com remédios. Isso lembra alguma coisa? Sim. Os solos debilitados que geram plantas debilitadas, e que são tratadas com agroquímicos.
Alguns outros pontos negativos sobre os fertilizantes sintéticos que fomos nos dando conta com o passar do tempo: para sintetizar o nitrogênio, usamos fontes de energia não renovável – petróleo, carvão ou gás natural. Então, basicamente, acabamos com um recurso natural para sintetizar uma substância que acaba, a longo prazo, deteriorando o solo. Nada animador. Ah sim; sem contar nas pessoas que acabam usando os fertilizantes químicos de maneira errada, em excesso – e esse excesso vai parar onde? Nos rios, nos lençóis freáticos e até no mar. Existem muitos casos em que esses fertilizantes escoados até o mar ‘fertilizam’ algas que desenvolvem-se mais do que normal, alterando todo o sistema natural daquele ambiente e até extinguindo outras espécies de algas ou peixes locais.
Segundo Michel Pollan, em seu “O Dilema do Onívoro”, mais da metade do nitrogênio que está presente no nosso corpo, hoje em dia, foi produzido artificialmente. Quero ver alguém dormir depois dessa informação, hoje.
Essa descoberta da sintetização do nitrogênio pelo nosso amigo Fritz foi também fundamental para a produção de ácido nítrico, utilizado na fabricação de armas químicas, explosivos e munições.
Aliás, Fritz desenvolveu um número enorme de armas químicas. Ironia do destino ou não, Fritz era judeu – mas foi ele que criou o gás Zuklon- B, depois usado nos campos de extermínio nazistas. Aliás, por causa de sua contribuição às pesquisas nazistas que ele acabou caindo no esquecimento dos grandes nomes da ciência, mesmo tendo liderado uma das maiores descobertas do século: de como sintetizar nitrogênio e de como fertilizar o solo sem o auxílio da natureza.
Os agrotóxicos.
“é frequentemente a perda de relação com o passado, a perda das raízes, que cria um tal ‘mal-estar na civilização’ . Carl G. Jung, em Memórias, Sonhos, Reflexões
A OMS define como “pesticida” “toda substância capaz de controlar uma praga, em sentido amplo, que possa oferecer risco ou incômodo às populações e ambiente”.
Pesticida pode ser uma substância ou uma mistura de substâncias químicas capaz de diversos efeitos.
Pesticidas químicos são os conhecidos “agrotóxicos”. O termo agrotóxico inclui inseticidas (controle de insetos), fungicidas (controle de fungos), herbicidas (combate às plantas invasoras), fumigantes (combate às bactérias do solo), algicida (combate a algas), avicidas (combate a aves), nematicidas
(combate aos nematoides), moluscicidas (combate aos moluscos), acaricidas (combate aos ácaros), além de reguladores de crescimento, desfoliantes (combate às folhas indesejadas) e dissecantes.
Não é de hoje que o homem usa pesticidas. Como inseticida o enxofre era usado pelos Sumérios lá em 2500 a.C.
Um extrato de flores secas de Chrysanthemum cinerariaefolium, por volta de 400 a.C., que prometia eliminar piolhos. No século XV, foi a vez da descoberta do arsênico, também como inseticida. Durante toda a história uma vasta coleção de pesticidas foi desenvolvida: extratos de plantas, enxofre natural, cinzas, óleos, ervas.
Até aí tínhamos um controle de pragas baseado em compostos na sua grande maioria orgânicos. Com a revolução industrial, no século XVIII, o sistema agrícola teve um grande impulso: a industrialização fez com que as extensões de terra plantadas começassem a ser maiores, o ritmo de plantação começou a aumentar ( mais plantações, menos ambiente selvagem, mais desequilíbrio ) – e consequentemente, as pragas e a preocupação com elas também.
No século XIX, iniciou-se o desenvolvimento de alguns compostos inorgânicos – os chamados químicos|sintéticos – para o controle de pragas, juntamente utilizados com outros compostos orgânicos ( como a nicotina – das folhas de tabaco, para insetos, e a rotenona – uma raiz, para lagartas) . Vieram então as misturas de enxofre e cal e a calda bordalesa ( sulfato de cobre e cal ), usada até hoje por muitos vinhateiros, para o combate de fungos no vinhedo, principalmente míldio. Assim como o arsenito de cobre ( inseticida ), sulfato ferroso ( herbicida ), fluoreto de sódio ( inseticida) e o super tóxico ácido cianídrico. A partir do piretro ( que já existia em 400 a.C ), fizeram os similares químicos mais eficiente, os chamados piretroides. A partir daí o povo mandou ver em criações de pesticidas cada vez mais eficientes – e tóxicos.
No começo do século XX, veio uma grande novidade: o inseticida orgânico sintético. Pois é. Até um alemão transformar um composto inorgânico (cianato de amônio) em uréia, não se acreditava ser possível sintetizar um composto orgânico – acreditava-se que eles poderiam ser produzidos somente pela natureza. Ledo engano; em 1828 Friedrich Wöhler provou o contrário, e a partir daí foi um pulo para a síntese de inseticidas orgânicos.
A segunda guerra mundial foi um verdadeiro laboratório para os pesticidas ( ou chamados defensivos). Muitos eram utilizados para a defesa dos soldados ( para proteger contra insetos, por exemplo – a malária ) e também como armas químicas. Um pesticida que fosse desfolhante poderia ser útil como tática de guerra, caso o inimigo estivesse em uma floresta.
Pra quem acha que a guerra nem teve tanta importância assim, aqui vai outra informação: quem se lembra do DDT? Pois é. Hoje é proibido, mas foi um dos inseticidas mais famosos e até algumas décadas atrás era utilizado até mesmo dentro de casa. Foi sintetizado para combater em 1943, na Europa, os piolhos que transmitiam tifo exantemático nas tropas norte-americanas. Veja como as coisas são curiosas. Feito com átomos de carbono (C), hidrogênio (H) e cloro (Cl), o DDT é um dos famosos compostos classificados como organoclorados. O aldrin, dieldrin, heptacloro e toxafeno também – e foram todos sintetizados mais ou menos na mesma época. O problema é que eles são muito eficientes, mas se acumulam nos tecidos adiposos de seres vivos ( sim, inclusive nos nossos, olha que maravilha ) e demoram gerações para serem degradados na natureza, pois tem uma estabilidade altísima.
Entramos então na era dos pesticidas ( que nessa altura já podemos chamar de agrotóxicos) organofosforados e dos carbamatos. O organofosforados surgiram em primeira instância como armas químicas, e são compostos derivados do ácido fosfórico. São mais tóxicos aos insetos que os organoclorados, mas degradam com mais facilidade na natureza – o que seria bom, se isso não fizesse com que, por causa disso, as aplicações tivessem que ser mais constantes. O herbicida glifosato e os inseticidas malation, paration e dissulfoton são alguns exemplos de compostos organofosforados.
Não só muita coisa foi desenvolvida durante as guerras, mas também muita coisa sobrou das guerras, de material bélico, armas químicas, e principalmente tecnologia, conhecimento e mão de obra especializada. E o que fazer com todo o estoque de armas químicas e defensivos sem utilidade? E o que fazer com toda a tecnologia desenvolvida durante esse período, bem como os profissionais extremamente especializados no assunto? Bom, surgiu a idéia genial de aplicar tudo isso na agricultura. Afinal, era só reformular um pouco as substâncias para ter uma utilidade no plantio – e o pós guerra era o momento perfeito para convencer as pessoas que era necessário mais comida à preços mais baixos, era necessária uma maior produção e uma maior tecnologia, que eram necessárias sementes ‘melhoradas’ e remédios mais ‘eficientes’. Esse capítulo da consolidação da agricultura industrial pós segunda guerra renderia um livro – toda a revolução verde, os pacotes agrícolas, a migração de tecnologia de guerra dos países perdedores para as novas potências mundiais, etc, etc, etc.
Além da contaminação do solo, das águas, do ar e dos resíduos nos alimentos ( que vão parar em nossa barriga ) novas ‘pragas ‘surgem; pois sim, elas se adaptam. Você mata uma, surge outra, o inseto ou a “erva daninha” se torna resistente ao químico, e assim surgem novas gerações mais fortes e assustadoramente mais resistentes. Existem milhares de histórias sobre super-insetos e super-plantas com resistências absurdas que surgiram por causa de aplicações de agrotóxicos, e que são pesadelo de muitos agricultores. Outras tantas histórias são as dos efeitos causados nos trabalhadores e em pessoas expostas a esses químicos: a toxixidade pode ser tamanha a ponto de influenciar na genética de populações inteiras. Mutações, doenças degenerativas, alergias das mais diversas, câncer, depressão, infertilidade.
Por inúmeras razões, alternativas para uma agricultura mais lima se mostram cada vez mais como a principal – e talvez a única – saída para reestabelecer um mínimo de equilíbrio entre nós e o que comemos.
“… de um ponto de vista superior, os prazeres e os sofrimentos do indivíduo estão intimamente ligados ao bem estar e ao infortúnio de todo o universo. Há aí um caminho que conduz à convicção de que ele prejudicará o mundo inteiro, e todos os seres nele existentes, caso não desenvolva adequadamente suas próprias faculdades. Rudolf Steiner, A Ciência Oculta.