Divagações, Vinhos

Existe Champagne natural?

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Faz pouco tempo falei aqui sobre os petnats: um método que muita gente acha que é ancestral, mas na verdade é super moderno e reproduz o que aconteceria numa fermentação de espumantes “ancestral”, mas de maneira mais rápida e sem insumos ou técnicas enológicas invasivas.

Por isso esse método ganhou força no mundo dos vinhos naturais: afinal, a maior parte do que conhecemos como métodos de vinificação em espumantes são tentativas de reproduzir o que acontecia espontaneamente em algumas regiões do mundo ( e que chamamos de método ancestral ), na maioria das vezes, utilizando insumos e técnicas enológicas para isso. Sim, a maioria dos espumantes, champagnes, astis, proseccos, charmats e cia são métodos bastante industriais, e até os mais artesanais e caros, na maioria, usam insumos e técnicas bastante invasivas.

Calma, eu explico.

Sobre petnats e método ancestral a gente fala mais outro dia ( pois na verdade eu já falei bastante sobre eles por aqui, e tem mais texto lá no blog quem quiser ).

Hoje vamos falar sobre uma perguntinha que eu mesma joguei no ar e muita gente ficou curiosa.

PORQUE NINGUÉM QUASE FALA DE CHAMPAGNE NATURAL?

E todo mundo nesse mundinho dos naturebas fala mais em petnat e ancestral? Hm.

Bom, vamos do começo.

Todos os métodos de vinificação em espumantes são tentativas de reproduzir o que chamamos de método ancestral, certo? Certo.

Vinificação natural é aquela que não se utiliza nenhum aditivo enológico nem técnicas muito interventivas, certo? Certo.

Ok. Agora vamos lembrar o que são os espumantes feitos pelo método Champenoise, o famoso de segunda fermentação na garrafa.

Basicamente você faz um vinho sem bolhas, “normal”, ou segundo o jargão do vinho, “tranquilo”. Daí depois você coloca esse vinho já pronto dentro de uma garrafa fechada, com mais um tanto de açúcar e mais leveduras.

Essas leveduras famintas vão comer esse açúcar que você colocou dentro do vinho e, se você bem se lembrar da reação de fermentação alcoólica…. elas vão acabar formando álcool, energia e…. gás carbônico.

Quando a fermentação alcoólica acontece num tanque, numa barrica, ou num fermentador, esse gás carbônico é liberado para a atmosfera. Certo? Certo.

Mas se essa fermentação alcoólica acontece dentro de uma garrafa, as bolhas de gás carbônico ficam aprisionadas ali, se fundem com o líquido e…. você acaba com um vinho espumante.

É isso que acontece com o método Champenoise: segunda fermentação em garrafa pela adição de açúcar e leveduras num vinho pronto, em ambiente fechado ( no caso, garrafa ).

Esse método foi desenvolvido ali na região de Champagne ( embora haja controvérsias, pois a Italia já fazia fermentações assim faz tempo ) e surgiu como uma tentativa de reproduzir de maneira controlada e padronizada o que já era um fenômeno natural ali na região.

Explico. Champagne é uma região fria e as baixas temperaturas chegavam mais cedo lá do que no resto do país, parando a fermentação dos tanques antes deles fermentarem por completo ( as leveduras no frio ficam preguiçosas e param, como a gente ).

Vamos lembrar que era uma época anterior à Pasteur e ao conhecimento sobre fermentação e micro-organismos, então a galera só sabia que um vinho tinha parado de fermentar quando…. parava de “ferver”, ou seja, de soltar bolhas ( a palavra fermentação vem de ‘fervere’, inclusive ).

Bom, se os tanques paravam de ferver, era hora de engarrafar. Só que ninguém sabia que ainda tinha levedura e açúcar lá dentro, então quando chegava a Primavera, meses depois, e as temperaturas subiam….. as leveduras acordavam dentro da garrafa com um tantão de comida ainda, e as fermentações voltavam à toda.

Só que como elas estavam ali aprisionadas na garrafa….. bingo.

Quando você ia abrir a garrafa, ele estava todo trabalhado na bolha.

Esse “acaso” que depende de condições climáticas muito específicas e de uma estação do ano inteira, é o tal do método ancestral que tanto falamos.

Curiosidades: durante muito tempo, até Champagne virar moda, as bolhas eram consideradas um defeito. E muita gente tentou a vida toda fazer com que os vinhos não refermentassem: Dom Perignon foi um deles que tentou eliminar as bolhas dos vinhos da região de Champagne, e como não conseguiu, acabou desenvolvendo garrafas mais resistentes e rolhas que aguentassem o tranco.

Cuma? Lógico. Imagine a formação espontânea de gás carbônico dentro da garrafa. Isso gera pressão.

Por isso aquelas lendas de adegas amaldiçoadas, pois dependendo de quanto açúcar ainda tinha lá e de quando gás fosse formado depois das temperaturas subirem……. as garrafas, que eram feitas pra pressão de vinho “tranquilo, não suportavam e estouravam. E era um tal de causa mortis por bomba de garrafa que era um caos.

Por essas e outras que Champagne – e muitas outras regiões – começaram a desenvolver técnicas para deixar esse vinho mais “controlado”. Ninguém queria uma bomba de garrafa na cara.

Por essas e outras que Champagne – e muitas outras regiões – começaram a desenvolver técnicas para deixar esse vinho mais “controlado”. Ninguém queria uma bomba de garrafa na cara.

( não pescou? É continuação do textão sobre espumantes, tem mais quatro pra trás 😬 ).

Volta. E quando descobriram que eles podiam usar um vinho já antigo, colocar mais borras e açúcar, e dessa maneira você saberia exatamente ( ou quase ) a pressão exata dentro das garrafas, voilá. Começaram a fazer espumantes em larga escala, e já no século 18.

A região de champagne foi provavelmente uma das primeiras grandes “indústrias” do vinho, com vendas gigantescas, técnicas refinadíssimos de elaboração, padrão, regularidade e controle nos processos.

Tá, ok, mas você não me respondeu a pergunta. Porque ninguém fala de Champagne natural?

Ué. Pensem comigo. Até no regulamento de Champagne hoje em dia, você tem que usar leveduras selecionadas + açúcar em solução para fazer a segunda fermentação. E nem as leveduras, muito menos os açúcares, são “naturais” do vinho, ou seja…. não é uma fermentação espontânea e sem insumos, como prega a vinificação natural.

Por isso que existem muitos Champagnes convencionais ( a maioria ), muitos orgânicos e uns tantos biodinâmicos, mas considerados de vinificação natural, não. A não ser uns doidos que ainda usam mosto fresco e pé de cuba pra refermentar suas garrafas, mas são poucos.

E é por isso que nesse mundo do vinho natural a gente encontra mais espumantes ancestrais ou então os petnats.

Entenderam? 😉

1/7/2021
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