Amendoins crioulos.
Se a gente fechasse os olhos agora e abrisse lá atrás no século 15, antes da chegada dos europeus, provavelmente o que a gente veria na nossa frente, em todo o estado de São Paulo seriam plantações frondosas de amendoins compartilhando roças com diversas batatas doces, mandiocas, abóboras, milhos e feijões de todos os tipos, além de carás e taiobas.
A roça indígena já conhecia os segredos do cultivo consorciado desde sempre, plantando em um mesmo lugar espécies que se beneficiavam umas das outras, como o tripé abóbora, feijão e milho, tão presente até hoje nos cultivos de nossos interiores e na culinária “caipira” do país.
Da mesma forma que o consumo do amendoim, o hábito de comer paçoca também é indígena. Sem contar os beijos de mandioca, o polvilho, o tucupi, a erva mate, o pirão e tantos outros. Os amendoins esmigalhados com farinha de mandioca são a origem do doce atual que chamamos de paçoca, e em diversas regiões as tradicionais paçocas salgadas são ainda consumidas, como as de carne e as de peixe. Com a chegada dos engenhos de açúcar, pós invasão européia, a paçoca se tornou doce e um novo quitute foi criado, com amendoins mais pedaçudos: o pé de moleque.
Originário da América do Sul, o amendoim faz parte do gênero Arachis, e são mais de 80 as espécies já descritas. O Brasil é o país que abriga o maior número de espécies de amendoim. O amendoim “comum”, cultivado, é Arachis hypogaea L., e acredita-se que está presente na alimentação humana a mais de 5000 anos, sendo também selecionado geneticamente por escolha de sementes desde então. Não devemos confundir seleção genética com transferia – pois desde que se inventou a agricultura os seres humanos fazem seleção genética, escolhendo as melhores sementes para plantar no ano seguinte.
São muitos os nomes para o amendoim, entre eles o “mani”, “amondoí”, “amendoís”, “mandobi”, “mandubi”, “mendubi”, “menduí” e “mindubi”, que provavelmente tiveram origem na palavra tupi mãdu’bi, que significa “enterrado”.
Embora muitos séculos tenham se passado e a cultura e as roças indígenas estejam praticamente desaparecidas no estado de São Paulo, nós ainda produzimos 90% de todo amendoim do país, boa parte para a exportação. Mas perdemos em volume para os vizinhos argentinos, que são os maiores produtores de amendoim das Américas, que por sua vez perdem obviamente para a gigante China. Sim, pois até nas receitas chinesas o amendoim foi parar, sem contar na pasta de amendoim norte americana e nos cones dos maniseros em Cuba. Acredita-se que o amendoim ganhou o mundo a partir das viagens marítimas do século 16, que globalizaram uma enormidade de espécies vegetais e alimentícias pelo mundo, ao exemplo dos amendoins, batatas e tomates que saíram das Américas e foram exportadas para a Europa.
Tá. Mas amendoim crioulo?
É. Primeiro vamos entender o que é crioulo: no caso de sementes, significa local, tradicional, nascido ali, do território. É como chamamos as sementes tradicionais, não transgênicas, familiares, cultivadas em pequena escala, que preservam suas características regionais. Existem sementes crioulas que estão na mesma família – e só naquela família – faz séculos. E da mesma maneira que os feijões e o milho, existem hoje o que chamamos de sementes crioulas e sementes “comuns”, cultivadas em grande escala. Muitas pessoas só conhecem o milho amarelo e o feijão carioquinha, assim como só conhecem o amendoim vermelhinho. Mas existe uma infinidade de amendoins, gigantes, dourados, pretos, rajados, bicolores, assim como os milhos crioulos, amarelos, vermelhos, rosados, multicoloridos. Feijões? Também. Paquinha, rajado, do divino, enxofre, e por aí vai.
Um livro fantástico sobre esses assuntos, globalização e espécies e formação da nossa cultura gastronômica é o Formação da Culinária Brasileira, de Carlos Alberto Dória, que eu não canso de indicar.