Vinhos

O ano de 1492 & o vinho na América Latina.

“A que novos desastres determinas

De levar estes Reinos e esta gente?

Que perigos, que mortes lhe destinas,

Debaixo dalgum nome preminente?

Que promessas de reinos e de minas

D’ ouro, que lhe farás tão facilmente?

Que famas lhe prometerás? Que histórias?

Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?”

Camões, Luís de.

Os Lusíadas. Canto IV. 

 

O Período das Grandes Navegações, também conhecido como a Era dos Descobrimentos, se estendeu aproximadamente dos séculos XV ao XVII. Durante esse período, as nações européias, especialmente Portugal e Espanha, lançaram expedições marítimas que resultaram na descoberta de novas rotas comerciais, continentes e nações desconhecidas para o mundo europeu da época. Esse movimento marcou o início da globalização e teve grandes consequências políticas, econômicas, culturais e científicas: marcou o início da era moderna, com o estabelecimento de redes globais de comércio e a ascensão de impérios coloniais que moldaram as relações entre o Ocidente e o resto do mundo por séculos. 

Navegar é preciso, viver não é preciso, diz o antigo ditado português eternizado na poesia de Fernando Pessoa.

A principal motivação para essas navegações era o desejo de encontrar novas rotas para o comércio, especialmente para o comércio de especiarias ( como pimenta, cravo, canela, gengibre), seda, ouro e outros bens preciosos da Índia, China e Sudeste Asiático. As rotas terrestres tradicionais, como a Rota da Seda, eram dominadas por intermediários árabes e otomanos, tornando os produtos muito caros para os europeus. Avanços na navegação e tecnologia marítima, como o desenvolvimento da bússola, do astrolábio e da caravela ( um novo tipo de navio que podia navegar mais facilmente contra o vento ), permitiram que os europeus navegassem por águas desconhecidas e fizessem viagens mais longas e precisas. 

Além das razões econômicas, havia também uma motivação política e religiosa. As monarquias europeias queriam expandir seus impérios territoriais e converter novos povos ao cristianismo. A Igreja Católica apoiava essas missões de conversão, especialmente após a Reconquista da Península Ibérica. Esse foi um período de intensa curiosidade científica e geográfica. O espírito do Renascimento, que florescia na Europa, incentivava a exploração do desconhecido, e muitos navegadores tinham o desejo de testar teorias geográficas e “descobrir” novos mundos.

Com as navegações e os avanços na ciência da cartografia, a Europa começou a dominar a representação do mundo. À medida que exploradores como Cristóvão Colombo e Vasco da Gama expandiram as fronteiras do mundo conhecido, a centralidade da Europa nos mapas passou a ser uma forma de refletir o poder político e a influência cultural crescente dos reinos europeus. O cartógrafo flamengo Gerardus Mercator foi uma figura chave na cartografia moderna. Seu mapa de 1569, conhecido como a Projeção de Mercator, colocou a Europa no centro do mapa e a tornou o ponto de referência global, influenciando a forma como o mundo era representado por séculos. A Europa se tornava, literalmente, o centro do mundo, ditando comportamentos, dominando a política, os costumes e influenciando até mesmo a produção de vinhos global. 

1492 é o ano que marca o “descobrimento” das Américas pelos europeus e é marco inicial do processo de colonização europeia no assim chamado Novo Mundo – embora nosso mundo não fosse  em absoluto um mundo novo – com civilizações como a Caral, no Peru, com mais de 5000 anos de história, ou a Maia, nas regiões do atual México, Belize, Guatemala, Honduras e El Salvador, com cerca de 4000 anos de história. Para os povos nativos latino-americanos a chegada dos europeus não foi encarada como uma descoberta, e sim, como invasão. 

O Reino de Granada foi tomado pelos Reis Católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela, neste ano de 1492, encerrando quase 800 anos de presença muçulmana na Espanha. Com a queda de Granada os Reis Católicos consolidaram o controle sobre todo o território espanhol, o que fortaleceu a influência da Espanha na política européia e facilitou os investimentos nas explorações marítimas que mudariam para sempre a história mundial.

Em 12 de outubro deste mesmo ano Cristóvão Colombo, em sua primeira viagem financiada pelos Reis Católicos da Espanha, desembarcou com as caravelas Pinta, Nina e Santa Maria, depois de 36 dias em alto mar, em uma remota ilha do Caribe. Batizada de San Salvador e atualmente conhecida como Bahamas, a ilha já era habitada pelo povo da etnia taino e seu nome era Guanahani. 

Os Taínos faziam parte de um grupo étnico maior conhecido como os Arawaks, originários da região do norte da América do Sul, e habitavam as ilhas do Caribe muito antes da chegada dos europeus ( cerca de 4 mil anos atrás ) especialmente nas regiões que hoje correspondem às Bahamas, Cuba, Jamaica, Haiti, República Dominicana e  Porto Rico, sendo os primeiros grupos indígenas a fazer contato com os invasores europeus. Os Taínos  eram politeístas, pacíficos e costumavam andar seminus, usando ornamentos corporais, como colares de conchas e penas. Também usavam tatuagens e pintura corporal como parte de suas práticas culturais e religiosas. Sua economia era baseada na agricultura, cultivando principalmente mandioca, milho, batata-doce, feijão, abóbora e pimentas. 

A partir da mandioca os taínos elaboravam um fermentado conhecido como “cazabe” , algo entre o sólido e o líquido, muito similar a outras bebidas ancestrais americanas com base no mesmo ingrediente, como os cauins. Do milho, os tainos faziam outra bebida alcoólica chamada de “chicha”, com importante papel cultural nas cerimônias religiosas e sociais. Raízes e frutas também eram frequentemente utilizados para elaboração de outras bebidas alcoólicas. 

O nome “chicha” tem uma origem incerta e acredita-se que tenha sido um termo genérico utilizado desde a chegada dos europeus para designar uma infinidade de bebidas alcoólicas nativas. Acredita-se que a palavra tenha raízes nas línguas indígenas latino americanas. Uma das teorias mais aceita é que o termo “chicha” deriva da palavra da língua quechua ( a língua dos incas e de outros povos andinos ) “chichay”, que significa “ferver” ou “fermentado”. Essa tese faz muito sentido, pois a chicha é tradicionalmente uma bebida fermentada, e o processo de fermentação ao longo da história foi muitas vezes relacionado à “fervura” por conta das bolhas de gás carbônico desprendidas e da temperatura mais elevada durante a fermentação aloólica. Até mesmo no latim, fermentação deriva da palavra ferver. Em língua náuatle, falada pelos povos indígenas da Mesoamérica, como os astecas, a palavra “chichiatl” também tem o significado de “fermentado” ou “bebida alcoólica”. 

Após a invasão européia o termo “chicha” se tornou um nome genérico para descrever muitas bebidas fermentadas na América Latina, e embora na sua origem designasse uma bebida de milho ou mandioca nas regiões andinas e na América Central, o termo passou a ser usado para qualquer bebida fermentada nativa, incluindo aquelas feitas de frutas, arroz ou outros ingredientes. Existem registros até mesmo de chichas feitas de uva, nos anos posteriores à chegada dos europeus e de suas videiras. 

O ano de 1492 também marcou a chegada das videiras européias em território americano. As primeiras embarcações espanholas trouxeram suprimentos e itens necessários para navegações longas, além de algumas mercadorias para trocas e presentes. Arroz, farinha, carne salgada, vinho, água, legumes secos e azeite, além de sarmentos ou sementes de uva para plantio e elaboração de vinho local para missa.

A chegada de Colombo marcou o início da colonização europeia nas Américas e o colapso de muitas culturas indígenas do Caribe. Esse primeiro contato os europeus teve efeitos devastadores para os Taínos – assim como outras populações indígenas, que foram rapidamente submetidos à escravidão e forçados a trabalhar nas plantações e minas. Além disso, doenças trazidas pelos europeus, como a varíola e o sarampo, dizimaram os nativos que não tinham imunidade a essas doenças. Estima-se que, em poucas décadas após o contato com os espanhóis a maior parte da população Taína foi exterminada, seja por doenças, trabalho forçado ou violência. No entanto, muitos descendentes dos Taínos se integraram às populações coloniais através do mestizaje (miscigenação com africanos e europeus), e traços de sua cultura e genética ainda estão presentes nas populações caribenhas modernas. Elementos culturais dos Taínos, como palavras da língua taíno (por exemplo, “canoa”, “tubarão”, “tabaco”, “batata”), práticas agrícolas e culinárias, e influências artísticas continuam a fazer parte  não só da identidade cultural do Caribe, como de boa parte da América Latina atual. 

Em 7 de junho de 1494 foi assinado o Tratado de Tordesilhas entre os reinos de Portugal e Espanha.  O tratado foi um acordo que visava resolver disputas sobre as terras recém-descobertas por Cristóvão Colombo e outras explorações europeias no Atlântico. Esse tratado desenhou no mundo recém invadido uma linha imaginária, conhecida como a Linha de Tordesilhas, para dividir as terras do Novo Mundo entre os dois países ibéricos, moldando significativamente a história da América Latina em seus costumes, regimes coloniais e língua pátria. 

Portugal ficou com uma faixa a leste dessa linha imaginária, que se tornaria o atual Brasil. Os espanhóis ficaram com a maior parte das Américas, incluindo grande parte da América do Sul, América Central e parte da América do Norte. Isso permitiu à Espanha colonizar territórios ricos em minerais e criar um vasto império nas Américas.

21/4/2025
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